domingo, 29 de abril de 2012

Weekend à Francesa (1967) - Jean-Luc Godard



Não coincidentemente - pelo menos acreditando que Godard seja no minimo um pouco obsoleto -, sempre vemos que o cinema engajado do diretor e todas as suas amarras nascem e se tornam-se diretissimas a sociedade. O contexto e as formas com que seriam feitas não realmente importavam, mas foi assim que alguns de seus filmes mais conhecidos foram idealizados e posteriormente feitos. No seu olhar de tragédia em O Demonio Das Onze Horas (Pierrot le Fou, 1965), nas intenções intrinsecas de Alphaville (idem, 1965) por exemplo, todas geniais à sua forma; não seria nenhum absurdo afirmar - obviamente considerando que pra cada filme tem seus gosto -, todos esses filmes que ele fez acerca destes assuntos politicos e sociais são no minimo ótimos. E mesmo achando bobeira - e as vezes estupidez -, argumentar através de comparações, é só equipara-los ao cinema de massa feito hoje em dia. Na textura, na riqueza e na relevancia dos assuntos que ele gostava de abordar. E não só na intenção, mas também, é claro, por serem filmes muito bem realizados e autorais até o osso.

Mesmo abrindo todo um leque de interpretações e analises, Weekend à Francesa fala apenas sobre um casal - um tanto idiossincratico pra variar -, partindo em uma viagem até a casa dos pais da moça quando no caminho, conforme anuncia a antológica cena do transito na rodovia, o universo - talvez o mais inesquecivel criado pelo diretor -, é surreal e caótico. E a genialidade nasce aí, no atestado que o estado bizarro do ambiente ser nada mais do que consequencia da ação das pessoas que lá habitam. Sintomas da sociedade classes. Mas não é fácil assim, Godard como sempre não é uma metralhadora inconsciente, ele debate e busca reação, quando não se contem em ir discutir sobre a origem das condições atuais, e das origens - por mais longinquas que sejam -, do status quo.

Diante de tantas experimentações - embora qualquer dadaísmo só pode ser pressuposto -, é essencial que para o filme funcionar, seja colocada em pauta uma discussão sobre as condições institucionadas, para que então seja entendida as caracteristicas da ambientação atual. Diferentemente de seus filmes mais liricos - nos quais os focos são sobre os personagens -, este aqui é um filme muito mais experimental e diegético - quase um Buñuel. É um filme onde discursos e falas tomam lugar. Não tanto sobre os personagens, seus sentimentos e afins -  justamente o expoente máximo do diretor (O Demonio das Onze Horas) foi o misto perfeito entre ambos os elementos.

O personagem do filme é o mundo de Godard. É a ele que se cabem as analizes e luzes. É um universo de absurdos e completo caos - que não chega a realmente ser uma denotação de surrealidade, já que não apresenta cacoetes fantasiosos. Embora seja indigesto e completamente utopico, é uma representação que se baseia em um mundo de possibilidades, e no qual felizmente o Cinema dá espaço. Embora esta obra em especial seja produto de outros objetivos de Godard, ele não chega a se distanciar de suas outras obras em qualidade ou identidade. É um filme ousado, inovador e dentro de sua proposta, realmente perfeito. Afinal, ao que parece, seus filmes são sempre sobre as inequadações e aos anacrônicos, não? O que não o faz um filme "menos Godard".

Realmente, não é aqui que você encontra aqueles aspectos bem costumeiros do diretor que se tornaram bem conhecidos na raiz de sua filmografia, vide os jump cuts nas trilhas sonoras, ou os cenários brilhantes e exagerados, o eterno uso das canções, as desconstruções cronologicas e lineares - talvez o que mais remonte a isso seja mesmo os interludios visuais, que se valem como um prenuncio as proximas sequencias e convenhamos, que dão aquele charme, aquele perfume semi-tangível que permeia seus filmes.

Seria perfeitamente racional afirmar que Weekend à Francesa é um dos apices dentre as desbravações do Cinema. Mas toda essa estridencia generalizada talvez não valeria nada - ou valeria? -, se o filme não guardasse consigo uma mensagem final, e independente ou não se o faria, os resquicios palpaveis que ficam indicam mais que tudo o regresso do homem ao primitivo, do retorno ao zero da sociedade dos padrões e do consumo (por mais clichê que seja dizer isso) - esses são os mesmo que tornam a se alimentarem de si mesmo, à viver na mata, ao sexo apenas pelo ato, à violencia e o caos gerado pela irracionalidade. A mentira de Godard em 24 quadros por segundo.

Nota 9,0


















quinta-feira, 26 de abril de 2012

Hatari (1962) - Howard Hawks



Nos primeiros quadros de Hatari (idem, 1962), Howard Hawks já está a enquadrar lindos planos da Tanzânia - mais precisamente no leste africano -, são verdadeiras proteções de tela, colirio para os olhos; tudo fotografado pelas panorâmicas angulares de Hawks, ao passo que estamos no deleite dos planos visuais, vemos John Wayne na caçamba de uma caminhonete com alguns companheiros e uma moça, o genuíno cowboy americano, amado e idolatrado - aqui não menos machão -, está de boné, lenço na cabeça e colete caçando um rinoceronte em zig-zag o tentando enlaçar com uma corda pelo pescoço, conforme o faz, solta pérolas como "deve ser fêmea, não sabe para que lado vai"; apesar da surpresa e do entretenimento desse prenúncio, o que assusta mesmo viria depois com o atestado, é a habilidade incompáravel de Hawks de entreter com tanta facilidade, e isso é só o começo.

Até mais importante do que exaltar as qualidades individuais de Hatari - e o Cinema de Hawks em geral -, é ressaltar o quão importante sua existencia segue para o cinema hoje - em todos os genêros; e nem mesmo seria exagero afirmar que dentre tantos realizadores da época, Hawks segue como o mais influente para essa arte contemporânea; é evidente e quase tangível a forma como seus filmes travam dialogo direto com os de hoje, na dinamicidade das cenas, na acidez e inteligencia dos dialogos, no timming ágil e preciso tanto cômico e dramático, na naturalidade da composição das cenas e na evolução do cinema para o mais orgânico. E é claro, na sua solidez simplista na condução narrativa.

São 157 minutos de duração que passam voando - muito sinceramente falando -, não faltam momentos hilariantes, sequencias de ação impecáveis e dialogos sensacionais (afinal, mais do que tudo, Hatari é uma comédia/aventura). O ponto de partida é bem simples na verdade; é uma história sobre um grupo de caçadores na Africa, liderados por Sean Mercer (John Wayne), em uma empreitada na qual devem passar 3 meses no local para capturar certos animais para um zoologico em Los Angeles. Nesse paralelo, é contratada uma fotografa chamada Dallas (Elsa Martinelli, bom... sem comentários), e sua função nada mais é do que fotagrafar as capturas; mas a situação se complica mais do que o esperado quando ocorre uma abrupta aproximação - natural e involuntária -, da moça com os machões e com Sean, é claro.

É redundante, mas é simplesmente necessário comentar o quão impressionante é a capacidade do diretor em extrair o maximo de cada situação - algumas sensacionais -, de momentos aparentemente simples; habilidade essa que já dava ares em quase todos os seus filmes anteriores, quanto à comédia, mais notávelmente no seu clássico Jejum De Amor (His Girl Friday, 1940). Sua capacidade de surpreender, emocionar, fazer rir e mais que tudo entreter. Tudo á base do que há de mais puro no Cinema, seja até o que cinema mudo fazia. A mais crua intenção de divertir com bons personagens e situações. Quantas... quantas cenas inesquecíveis.  Não tem como não lembrar de Pockets (Red Buttons, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por Sayonara (idem, 1957), o ator brinca de atuar, e se encaixa como uma luva no papel. É um brincalhão, mulherengo, medroso e amigo rapaz, que é o principal alivio cômico do filme, e um dos mais encantadores personagens de todo o Cinema.

A verdade é que Hatari é um filme de machões, predominantemente masculino. Faz cena sobre tudo o que há acerca de bebibas, mulheres e violencia. E é neste ponto a personagem Dallas "Mom Elephant" atua, ela chega para desequilibrar essa condição - delicada, doce, linda, cheia de atitude e sensualissíma; em suma, ela derrete o coração do protagonista. Mas não é apenas nesse ponto que ela marca presença, ela fácil se adapta ao grupo de rapazes, e rapidamente surgem amizades - amizades essas muito bem trabalhadas no filme. É um filme sobre as relações entre os personagens na aventura.

É simples assim, mas o Cinema de Howard Hawks funciona mesmo pela emoção, seus filmes não são de mecanismos e engrenagens, complicações ou esquematizações, ele era apaixonado por eles, os narrava com pulso firme, mas com leveza e paciencia, como deve ser, no limite do passional. Esse conceito perspassa a tela para se conectar com o espectador, essa formula segue influente e talvez a maior prova disso seja o próprio Tarantino, influenciado diretamente pelo seu cinema tanto estéticamente quanto nas caracteristicas diegéticas - que apesar da pedância, breves egotrips e exuberancia enciclopédica de seu conhecimento, faz filmes porque gosta, é auto-indulgente e ousado. Não há nada mais simplista do que Hawks faz aqui - muito virtuosamente -, é apresentar um conto, uma aventura, e por fim, contar uma estória. Nos envolver nessa mentira, e ninguém parece fazer isso como ele.

Na verdade, o filme todo valeria a pena só por Elsa Martinelli vestida com aquela camisa social e gravata - apenas; mas ainda temos muito mais que isso. Afinal trata-se de um daqueles filmes que são a grande fuga, o grande escape. É a ficção composta por um dos grandes diretores de sua geração - mesmo em um periodo posterior ao seu ápice -,  e talvez seja o seu ultimo grande filme (que é muito melhor do que de muitos outros por aí em qualquer época). Passaram-se 50 anos desde Hatari, mas o tempo só o embelezou. Hatari segue completamente irresistivel.

Nota 9,0
























domingo, 15 de abril de 2012

Operação França (1971) - William Friedkin



Em certas épocas - felizmente - chegam aqueles filmes que deliberadamente ou não chegam para mudar, inovar e reler o que tem sido feito até então em seus respectivos genêros ou até mesmo no Cinema em geral. Operação França (The French Connection, 1971) é um deles. É um filme marginal, sua linguagem e estética são torpes, que não se adequavam no periodo de seu lançamento; e é interessante que a produção segue bem vital nos dias de hoje - pasme (tendo até mesmo ganho 5 prêmios da academia na época, incluindo Melhor Filme) -, e é um dos poucos filmes que mesmo tendo ousado tanto em sua época, nada, nem mesmo a censura o impediu de brilhar nesses tempos e até os dias de hoje.

A produção se trata da estória de dois detetives de Nova York: Jimmy 'Popeye' Doyle por Gene Hackman (que já havia estrelado o célebre Bonnie & Clide - Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967) e Buddy Russo (Roy Scheider) que juntos, lutam para abrir um caso e investigar uma rede de tráfego de entorpecentes e descobrem a Operação França. Enquanto por causa de casos passados e a reputação de Doyle por causa de investigações furadas e sua intuição falha, seu departamente tem dificuldade em acreditar e colaborar com ele. E nesse paralelo que segue o filme.

É interessante observar que no mesmo ano que Hackman e seu personagem cafajeste vieram as telas, Don Siegel também deu vida à um detetive igualmente grosseirão e icônico incorporado por Clint Eastwood, o policial Harry Callahan de O Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971). Mas mesmo assim, hoje em dia - embora ambos os filmes tenham seus admiradores -, percebe-se que a superioridade de Operação França manteve o filme muito mais cultuado e influente para o Cinema hoje em dia. Mesmo que o personagem de Eastwood tenha gerado tantas sequencias.

Talvez o realismo de Operação França se deva ao fato que o roteiro de Ernest Tidyman é baseado em um romance de Robin Moore, que é baseado em fatos reais. Inclusive, deve-se destacar que os policiais nos quais se inspiram os personagens do filme de Friedkin fazem uma breve ponta no filme como supervisores da policia - seus nomes reais são Eddie Egan e Sonny Grosso. E se isso for verdade - quanto ao motivo da representação crua do tema ao roteiro adaptado -, devemos ficar boquiabertos com a precisão que tudo é representado. A fotografia é composta por cenários sujos de Nova York - dentro e fora de locação -, temos boates imundas, ruas cheias de lixo, que coincidentemente ou não complementaram o clima frio e molhado da cidade. Algo que o próprio Friedkin veio a extrapolar de vez com o seu Parceiros da Noite (Cruising, 1980) com Al Pacino, que parece revelar sua fascinação com a vida no submundo.

Melhor ainda, é que em toda composição de planos, é evidente que Friedkin não busca esconder toda a poluição natural das locações, e parece compreender que isso, só faz o espectador mais chocado quanto a realidade imposta, e torna o filme muito mais envolvente. Toda a ambientação faz da platéia ainda mais familiarizada com a propria história narrada - com poucos adornos -, e essa formula segue forte hoje em dia. Indiretamente ou não, temos tudo isso no próprio cinema nacional com Cidade De Deus (idem, 2002) por exemplo.

E o realismo não é só grato ao mise-en-scene espetacular da cenografia, e também nas maravilhosas cenas de ação e a montagem perfeita da obra - que justificam facilmente os respectivos premios de Melhor Direção e Montagem. Poucos filmes - inclusive da época -, fizeram sequencias tão perfeitas de perseguição de carros como fez este aqui. O desenvolvimento dessas sequencias são icônicas e inovadoras - e um deleite para os olhos. São cortes ritmos e de simples composição, como a camêra colocada na ponta dianteira do carro - nos trazendo uma prisma praticamente em primeira pessoa dos desvios e raspões entre automoveis em alta velocidade, nos trazendo logo em seguida as reações de Hackman no volante e também planos estáticos e breves pra nos dar noção da colocação e não nos perdemos em meio ao que está acontecendo, e até mesmo, pra quem não sabe, grande parte dos acidentes do filme - não por acaso -, foram reais, e incluidos no processo de montagem. Muitos filmes atuais seguem essa construção de cena, dentre os mais sérios, vemos isto na trilogia Bourne com muita frequencia.

Mais uma inovação vem com a caracterização de Doyle - em um trabalho espetacular de Gene Hackman, que foi levado ao estrelato com o filme -, um policial mulherengo, preguiçoso e obstinado. Nós amamos ele, enquanto ele é um homem da lei que se envolve com strippers, vive jogando lixo nas ruas e é um beberrão nato. Mas vemos que sua indole está no lugar, afinal quando tudo parece perdido, sua utopia da busca dos bandidos segue em frente independente dos empecilhos.

E não é só isso, Operação França além de tudo, jamais subestima o espectador. Os espectadores mais passiveis facilmente se perderão no filme, perderão a noção de quem é quem e até mesmo o que está acontecendo. Pois á partir de quando os conflitos se revelam, o roteiro joga com muitos nomes e pistas, e a cada segundo, fatos importantes para a trama estão acontecendo. Então, o filme ata tudo isso à obrigatoriedade do espectador a seguer com atenção o enredo, pois haverão sempre momentos ala "devemos ir atrás de tal", "temos que achar tais evidencias" e tudo isso permanece do começo até o fim.

Sem dúvida alguma, Operação França entra fácil no cesto dos melhores policiais de todos os tempos. Pena que muitos filmes policiais de hoje se unem ao campo de soluções fáceis e a zona de conforto. De qualquer forma, Friedkin e sua fortaleza Operação França sempre nos lembrarão do contrário.




















sexta-feira, 13 de abril de 2012

Amantes (1984) - John Cassavetes



Correntes de amor. Cassavetes com Amantes (Love Streams, 1984) realizou um dos filmes mais realistas da história do Cinema. Trata-se de uma catarse, mas não daquelas exatamente shakespearianas ou que renderiam frases de Dickens; não é bonitinho, não é caricato, e seus 141 min de projeção não pregam exatamente alguma filosofia. Sua projeção apresenta nada mais que a verdade, dentre os filmes, talvez seja o filme que melhor representa a tragédia pessoal, não pela forma na qual é contextualizada, mas sim pelo realismo absoluto no qual nos é adiantado.

Não sei se é um absurdo se fustrar com Amantes; não é um filme acessível e também não é um filme de desdobramentos; em qualquer que seja a época, esse fato não muda, o publico acostumado com novela das oito ou com o formato do cinema popular dificilmente vai se adequar e muito mais dificilmente irá se conformar com o filme - que apesar de ter admiradores, é um filme pouco visto (mesmo tendo ganhado o Urso de Berlim no festival de 1984). É uma retratação crua das pessoas. É um filme que nos seus personagens representam as forças da vida - os problemas - e logo, suas consequencias fisicas e psicologicas.

Á principio, a narrativa é dual, se focando em dois personagens em especial: Sarah (Gena Rowlands, em uma atuação tão perfeita, que sintetiza a proposta do filme) uma mulher que se encontra em um processo de divórcio, ainda amando o marido e destruida pela decisão de sua filha preferir estar sob a custódia do pai. E Robert (pelo também diretor, John Cassavetes), um homem ala John Russo (personagem de Ben Gazzara em Muito Riso e Muita Alegria (They All Laughed, 1981), mulherengo, beberrão e galanteador, exceto pelo fato que é um homem quebrado, que em nenhuma vez em sua vida realmente conseguiu conviver com alguem - e ainda não consegue; e que na vida acha seu refúgio frágil e evidente nas bebibas e nas relações casuais efêmeras com mulheres - em casos, mantém relações simultâneas. Até que quase no segundo ato do filme, ambas as história se encontram, quando Sarah se hospeda na casa de Robert - são irmãos - e na medida que vão convivendo, tentam acertar suas vidas.

Ao que é dito - já que eu não tenho conhecimento da filmografia de Cassavetes -, Amantes abdica muito em sua maneira tradicional de rodar filmes - conhecido pelo uso da câmera em punho, causando um obvio efeito trêmulo nos planos -, aqui ele abusa de jump cuts - dando aquele ritmo frenético nas tomadas, que consiste em cortes abruptos de uma só ação (que por vezes é só erro na montagem) - e impondo uma estética mais ágil ao seu filme. Ainda que mesmo assim, o filme não se torna menos intimista e realista.

Nada em especial é anunciado até que o filme termine. A obrigação é mesmo acompanhar os 141 minutos - que foram editados para 122 pela distribuidora (ainda que pela internet possa-se achar a versão com a edição inteira e original) - e acompanhar a jornada dos personagens. Enquanto parecem se encontrarar, o filme é evasivo e traz das soluções mais transtornos, da bonância surgem apenas mais caminhos tortuosos . Por exemplo quando Robert começa a se relacionar com seu filho pequeno - em uma trama muito pouco racional ao que diz respeito à sua elaboração -, ou quando Sarah decide viajar. E a transmissão, mesmo após uma subtrama após a outra parece indicar que não há escapes; e mesmo quando os problemas são encarados de frente, nem sempre irão se resolver.

Assim como seus personagens, Cassavetes nem sempre é especialmente coeso ou abusa da lógica. É um filme narrado e transmitido, em suma, saturado por idiossincrasias - vale-se destacar que quase despidos de gestos afetivos ou grandes momentos de amor individualmente. E nesse passo, que Amantes faz de si mesmo tão nu ao que temos do seu caráter, e isso logo - como consequencia feliz - perspassa sua relação com a própria platéia que de testemunhas por trás da tela adentram tão profundamente a estória - algo muito parecido com os filmes de Iñárritu, que propõem uma intimidade tão mais complexa que o normal.

Mesmo sendo um filme tão sincero - e tão mais emotivo do que cabeça -, poucas são as pessoas que iriam se agradar com ele. Nem mesmo como a premissa parece indicar - ou possa-se imaginar -, Amantes não guarda consigo grandes debates verbais, tudo é a base das atitudes e comoções. Nada é mastigado o suficiente - inclusive o final -, para serem conceituados como uma verdade universal ou tomarem tons conclusivos. O seu estilo é decidido e pouco complacente, mas que se dane, afinal, quantos filmes são tão sensiveis como este?

Nota 6,0














terça-feira, 3 de abril de 2012

Musica e Fantasia (1976) - Bruno Bozzetto




Contém Spoilers


"É Hollywood, e estão furiosos, dizem que um tal de Prisney ou Grisney já fez isso antes"

Como a maioria das sátiras no Cinema - e em tudo -, o humor chega até ao escatalógico, aqui é empregado  de leve, mas será comentado. O alvo é Fantasia (idem, 1940), animação de Walt Disney cuja narrativa consistia no emprego de musica classica ao passo que exibia segmentos de curtas animados - assim a obra não seguia o preceito tradicional de seguir uma só linha narrativa. Musica e Fantasia é um arremedo cômico da obra de Walt Disney, mas que felizmente não chega a tão desrespeitar ou desrespeitar a obra em questão.

A parodia em análise possui 8 seguimentos - incluindo um breve prefácio não-animado e um epilogo. Assim como Fantasia, a montagem revesa turnos entre os curtas animados e cenas da orquestra - em Musica e Fantasia, fotografada em preto e branco; em Fantasia as cenas da orquestra são limitadas a tal ato - filmadas sob ilumação escura, no qual apenas pode-se ver quase que apenas vultos dos musicos e seus instrumentos, tocando a trilha sonora -, já em Musica e Fantasia, tal recurso é o alivio cômico do filme, não só apresentando a "orquestra" (que será comentada), mas como um todo, a produção em si da obra - com pequenos jogos metalinguisticos -, produção essa com três personagens principais: o narrador, o condutor da orquestra e o homem que vem a converter a musica da orquestra em desenhos que viriam a ser o filme. E à partir disso, situações humoristicas e satiricas dão o tom de paródia ao filme: a orquestra é um grupo de velhinhas, o interpretador artistico da musica que desenha é um bigodudo que passa o filme em trapalhadas e conflitos com o maestro gordo e inquieto, o produtor do filme passa por diversos contra-tempos e etc. É claro, todos os tais personagens são ficcionais - e todos esses supracitados acontecimentos se passam em uma ópera.

É curioso observar que em Fantasia, um dos ofícios do filme seria promover a volta do personagem Mickey Mouse - que estava em declinio na época; e neste aqui, não estamos familiarizados com personagem algum, tudo o que temos por aqui são criaturas bizarras e outras desconhecidas.

Tecnicamente, Musica e Fantasia é muito inferior ao filme de Walt Disney, enquanto o segundo é caprichado, cheio de detalhes e ainda mais fantasioso, Musica e Fantasia é mais relaxado - com contornos desleixados e cenarios vetoriais bem menos realistas (às vezes optando por fundos simplesmente preto ou branco), alguns parecendo até feitos de giz de cera; mas é muito possivel (alias, eu acredito) que tudo seja deliberado, apenas complementando sua atitude determinista de parodia de botequim.

Bruno Bozzetto - o omnipresente do filme - e seu roteiro - ele assina o mesmo (junto com Guido Manuli), também dirige e produz - não fogem ao preceito que Fantasia impõe, bem simples, cada segmento envolve um arco dramático, que assim como seu alvo de chacota, trabalha com elementos surrealistas. Os curtas são pequenos contos cheios de simbolismos e metaforas - algumas bem implicitas para os melhores entendedores - e também outros curtas apenas narram pequenas estórias - não necessáriamente envolvendo significados obliquos.

Como Fantasia, este aqui não pode ser - e não é - classificado como livre ao ser exibido, ambos os filmes denotam de temáticas impróprias e que requerem de mais maturidade para serem entendidas; como animações, esses filmes extrapolaram os padrões contemporâneos para o genêro infantil, principalmente se equiparados com as produções de mesma epoca. Em Fantasia, nudismo, morte e violencia são referenciados - mesmo que seja feito vetorialmente, continua impróprio -, e em Musica e Fantasia tudo é empregado de forma ainda mais forte - embora não tenha causado o mesmo impacto, considerando a época de lançamento de ambos os filmes.

O melhor curta como exemplo de Musica e Fantasia em relação ao assunto tratado acima seria o segmento no qual uma serpente oferece a fruta do conhecimento a Adão e Eva - fruta essa em forma de maçã -, que recusam, após isso, a serperte come a maçã ele mesmo sendo posteriormente exposto e transportado à um mundo de pecado, acerca de muita pornografia e propaganda. Quando retorna, a serpente cospe a maçã.

Consequentemente, a diferença entre os dois é patente, e são apenas logicas dada suas propostas; enquanto Fantasia é magico (cheio de poder sensorial) e contém o ritmo mais cadenciado, Musica e Fantasia é mais ágil e cômico. É de se admirar que Bozzetto não chegou a desrespeitar Fantasia - trata-se de uma tiração de barato, que de alguma forma interxtualiza a obra cinematografica para criar outra igualmente boa, com muita força criativa idem. Porque assim como Fantasia cria segmentos cheios de mitologias e significados, Musica e Fantasia também o faz e a chacota fica por conta do nucleo que envolve a produção; que na verdade, cá entre nós, cassoa bem mais a si mesmo do que a Fantasia.

Allegro ma non troppo é o nome de um andamento assim nomeado para indicar o passo ritmico a ser tocado aos músicos. Aqui em Musica e Fantasia (Allegro Non Troppo, o nome original em italiano), significa nesse contexto: "pense antes de agir", "vá devagar", sem a interjeição ma. Só para ressaltar novamente as traduções vergonhosas de titulos para filme no Brasil.

Um ponto em que ambas se assemelham - são igualmente poderosas -, são em suas trilhas sonoras, ambas riquissimas. Embora em Fantasia, os compositores serem mais conhecidos - Beethoven, Bach -, em Musica e Fantasia, o quesito não deve em nada, afinal, temos Vivaldi e Maurice Ravel. A formula é genial e bem reinventada por Musica e Fantasia, que iguala o nivel agradabilissimo que acompanha a projeção de Fantasia.

E deve-se observar que Musica e Fantasia é um dos pioneiros na tecnica do ato de retratar a interação do live action com seres animados, pra quem gosta, além deste um bom exemplo seria Uma Cilada Para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, 1988). Como no epilogo, Musica e Fantasia não deixa de zoar nem ao menos os finais felizes da Disney, representado pela queda grotesca do letreiro de "Happy End" sobre um personagem. Quase uma obra-prima.

Nota 7,0


























domingo, 1 de abril de 2012

Videodrome (1983) - David Cronenberg




"A tela da TV é a retina dos olhos da mente"

15 anos antes de Peter Weir (Sociedade Dos Poetas Mortos) discutir a midia com seu formato Sessão Da Tarde com O Show de Truman (1998) - filme esse que até gosto -, o senhor David Cronenberg já havia realizado uma das mais lúgubres e oniricas experiencias do Cinema, talvez a maior acerca do tema em pauta. Enquanto Weir se vale de uma visão mais romantizada, light, contida e rasa - ao extremo, desde a fotografia até a abordagem -, Cronenberg não se contem em extravazar e explicitar o que tem a dizer - e mais do que isso, como cineasta, aqui ele expira suas propriedades artisticas -, e parte para um grande delirio narrativo, totalmente caótico e ritmico - cheio de metaforas e significados -, que além de incitar discussão sobre a temática em si, é um grande e fantastico retrato da psique humano diante do poder não só da midia e da televisão, mas sim da imagem, e o que advém da sua projeção - efeito e consequencia.

A TV é tediosa e superficial, e para Max Renn (James Woods) o que realmente importa é expor o que é real, e essa parece ser a chance dele. Ele é um produtor de uma pequena emissora de tv - a tão citada Civic TV -, emissora essa que utiliza de uma rede de sinal pirata por satélite para transmitir programas de canais estrangeiros, até que por acidente (?), ele capta o sinal de uma transmissão denominada por "Videodrome" contendo fortes imagens de tortura e assassinato. Logo, Max passa a se obstinar ao objetivo de por o Videodrome ao ar; logicamente os empecilhos não são poucos.

Assim como Laranja Mecanica (1971) - filme esse bem interxtualizado por aqui - é tão poderoso e aterrador quanto o próprio Tratamento Ludovico, aqui não é diferente com o filme de Cronenberg e o Videodrome. Cronenberg faz um filme totalmente carnal que implica na transposição da transmissão da vida confeitada pela televisão, pois aqui ele insiste na afetação da televisão explicitando a realidade na vida das pessoas - também dirigindo indiretas quanto a hipocrisia da midia em geral. O Videodrome não tem enredo, tampouco ensaio, mas de alguma forma é o que as pessoas querem ver. A pervesão não enoja, mas excita, o sangue derramado é cola para os olhos. E Cronenberg nos joga tripas e orgão expostos, não é o que se deseja ver - mais parecendo o filme as vezes uma aula de anatomia -, e também não é de se admirar que Videodrome não é um filme muito presente nas telinhas da nossa televisão.

O que é de se admirar é como Cronenberg reproduz com perfeição o conceito de onirismo no Cinema. De frame em frame ele filma com maestria o estado psicologico de Renn - a condição de alucinação entre realidade e sonho -, e é de ficar boquiaberto concluir que em nenhum momento o diretor perde o fio da meada. O real e surreal não é só perfumaria por aqui, mas sim necessário para o entendimento do que se trata Videodrome. Não só rico nesse artifico, também é saturado de metaforas - como a conotação sexual presente na personagem Nicki (Deborah Harry), mas essa conotação não é mero acaso - assim como quase nada no filme -, mas sim é mais uma peça do quebra cabeça criado por Cronenberg.

São apenas 87 minutos de filme, e isso basta. Pois apenas durante essa duração, Videodrome mais do que fala sobre a midia - pobre de quem ir atrás do filme pela premissa -, fala sobre os porões psicologicos do ser humano. O que importa é penetrar os desejos e anseios, para todos os efeitos, a verdade.