sábado, 22 de setembro de 2012

O Eclipse (1962) - Michelangelo Antonioni




O filme que marca o fim da tríade de incomunicabilidade de Antonioni é o seu mais radical exercicio de estilo, aproximando surrealismo, neo-realismo e romance em prova de conteúdo e estilo, o diretor atingindo um de seus cumes. A tão chamada trilogia da incomunicabilidade responde à apenas um periodo na carreira do diretor (que na verdade seguiu trabalhando sobre o assunto através dos anos). O que é notável em O Eclipse (L' Eclisse, 1962) é exatamente esse tom alegórico do diretor (que além de realizar o seu ultimo filme em preto-e-branco) encerra seu filme como um fenômeno soturno, em nota de bela, mas triste e pessimista conclusão, com a desfacelação do que vinha a dispersar durante todo o filme.

Da mesma trilogia, O Eclipse é sem dúvida o filme de leitura mais atraente e de compêndio mais rico dos que realizára. Narrando novamente um conto sobre relacionamentos, com uma mulher (Vittoria, interpretada pela musa do diretor na qual já foi esposa, Monica Vitti) que acaba de terminar com o namorado (logo em uma espécie de prólogo, no qual o término do relacionamento não apresenta nada de novo no que vimos nos demais filmes do diretor), sem nada à dizer, e o esforço em vão de reanimar uma relação já sepultada pelo tédio e falta de comunicação, com os quadros se aproximando e logo se distanciando congelando os olhares tristes, de um relacionamento no fim das contas apenas clandestinos; e depois conhecendo um corretor da Bolsa de Valores, chamado Piero (Alain Delon), iniciando uma história marcada pelo devaneio incerto de amor e futuro.

Na concepção simbólica de universo que Antonioni deseja encenar, todos os seus recursos são levados às ultimas circunstancias. Dialogos fora de plano e inaudiveis (em especial uma cena extraordinária de A Noite [La Notte, 1961], com o casal de Mastroianni e Moreau aparentemente se acertando, em uma conversa dentro de um carro em movimento na chuva, com as janelas embassadas e até o final a incerteza do que foi dito), e no caso as geniais cenas na Bolsa de Valores onde reina a gritaria de corretores e empresários, mas nada realmente pode ser ouvido e tão menos compreendido. A rotina e os longos horários findados pouco à pouco exaurindo os personagens ao cansaço e ao vazio - excluindo a possibilidade de maiores expressões e evasão de sentimentos, anulados pela automatização das relações humanas. Tudo expelido sem dó pela decupagem precisa e única do diretor para a versão de falas e semblantes, isso quando não vaga pelas ruas sem rumo, sem nunca dar continuidade à dissipação eterna de imagens e sons e a reflexão direta do autor em relação ao mundo contemporâneo.

Com isso, Antonioni projeta uma mentira, ergue-se um amor ou paixão aparente que se desenrola no ato pouco descomunal de contato, nos furtivos e efêmeros jogos de sedução que se iniciam nos comôdos, e por lá terminam - que vão adiando cada vez mais a consumação e a entrega ao amor. A pendência que se estabelece vende uma idéia, para que no fim se estilhace. Assim caminha o trilho da sugestão, pela epítome das frases, a mais famosa: "queria não te amar, ou te amar melhor", dita por Vittoria. Eis uma relação ilusória, que jamais abandona o campo fisíco - e que no mundo de Antonioni não poderia sequer se sustentar. O painel que gradativamente vai se edificando com o calor humano, é contra-plano da natureza opaca, limitada e incapaz daqueles personagens, que na porta do paraíso não são capazes de se abrirem e consignarem por definitivo suas verdadeiras emoções.

A sequencia final (como instância fundamental da fotografia eficiente e tridimensional de Gianni di Venanzo) que vai de Buñuel à Teshigahara, com a representação derradeira e apocaliptica de fim de um ciclo (com a ultima imagem de Alain Delon frisada e inesquecivel quinze minutos antes do final), e a ocorrência do fenômeno celeste mais soturno e porque não, belo de todos, o eclipse, e talvez o inicio de algum outro relacionamento qualquer, em algum outro lugar, onde caminhará o asfalto vazio com construções incompletas e mais casais de mãos dadas, mas na incompletude do silencio e a consequente incapacidade de amar.

9,0/10