segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Bela da Tarde (1967) - Luis Buñuel

                                 

Tantos são os precedentes de Buñuel como sendo, fundamentalmente, um cineasta de critícas e sátiras, que nem mesmo este escapa de esteriotipação. Este, bem como alguns outros exemplos de sua filmografia - leia-se O Bruto (El Bruto, 1953) e Nazarín (idem, 1959) -, são recorrentemente reduzidos à posicionamentos relacionados à religião, política e à burguesia. Particularmente, não acho à toa que os mesmos citados acima, estão entre os que mais simpatizo pelo diretor; por serem, essencialmente filmes sobre pessoas, onde também existe forte influência dos fluxos arredores, inclusive sobre estas personagens, no entanto, os focos estão nas ações, desenvolvimento, e visões que se realizam e nos proporcionam à partir destes papéis. Estes aspectos de visão singular do cinema de Buñuel poderiam vir a ser analizado mais à fundo, ou apenas, evidenciados mais à tona.

A interpretação do cinema de Buñuel é uma consequência de seu provável maior signo quando acionado, a sua subjetividade critica e sensível em relação ao comportamento humano individual ou coletivo (este ultimo englobando todos os outros aspectos que derivam deste macrocosmo) sendo representado com suprema veracidade e agressivididade. As metáforas e simbolismos são características por sua evidência, e por suas posturas decisivas. Mesmo assim, Buñuel foi reconhecido como um diretor que rejeitava várias das interpretações direcionadas à seus filmes, portanto, culpava o próprio mundo pelo o que veêm em seus filmes. Criava puramente à partir das conclusões do que via. O progresso da dessacralização, chegada da modernidade, ambiguidade do comportamente humano, reflexos sociais entre burguesia e miséria através dos tempos. Reinando uma visão particularmente pessimista e que como recursos, foi do surrealismo ao realismo; do próprio autor ainda existe de forma visceral a lenda, sua persona, suas ideias, preconceitos todos à deriva, e como o seu legado, seus filmes, escorregadios por suas naturezas ideológicas categóricas e apresentação frontal.

Em a A Bela da Tarde, Catherine Deneuve (no auge de seu título de simbolo sexual) interpreta Séverine, uma belissíma, e frustrada mulher casada com um médico, em uma relação limitada pelo receio da jovem em consuma-la. No entanto, curiosa sobre bordéis e assuntos relacionados começa a trabalhar em um bordel, e à partir disso, se relaciona com outras prostitutas, sua cafetina e seus clientes. Seria a segunda personagem de Deneuve em um curto período de tempo conectado ao tema de repressão sexual, e de forma como isso pode vir a afetar de forma terminante a saúde psicológica e emocional de uma pessoa. No filme anterior da atriz em parceria com Roman Polanski - Repulsa ao Sexo (Repulsion, 1965) - a consequência seria a psiconeurose.

Neste mesmo filme, Polanski desvela apenas em seu ultimo quadro a razão da inibição sexual de sua personagem. Buñuel não faz de forma tão diferente ao dar pistas do inicio desta condição de Séverine, inserindo dois flashes passageiros em sua narrativa: no primeiro, é acariciada e beijada de forma maliciosa por um homem mais velho, e no segundo, está na igreja quando pequena e recusa a aceitar a hóstia de seu padre. Logo realça traços de um passado de possível abuso sexual e opressão religiosa. Na fase adulta, expressa apenas nos seus pensamentos mais obscuros os seus desejos e fetiches, utópicos e irrealizáveis, em um matrimônio sem comunicação e em uma sociedade tediosa por demais e de aparências. Mas o foco de Buñuel não é a tipíca deformação de superficies sociais, mas sim do individuo, guiado pelos instintos, e que por baixo dos seus ternos e formalidades, também possui todos os tipos de porões imagináveis, dispostos à extravasar isso em bordéis e quartos assim que podem.

Nas cenas que registram o ato - preliminares, nas propulsões de fetiches -, Buñuel ainda expõe a patente controladora dos homens burgueses, dominadores e misógenos, não só eles, também o marginal que se torna intimo de Séverine, jovem, mas também violento e egoísta; e enquanto desmascara o homem, enaltece a mulher, enquadra e contempla Denueve no auge de sua beleza (são muitos os registros marcantes de imagem da atriz no filme, por serem tão elegantes, sensuais, e provocantes), além do mais, a atitude feminina independente e insubordinada. Séverine vai da dona de casa culpada e frigida, para uma mulher livre, conquistando autonomia e que usa de todas as sua ferramentas para ir até o desconhecido e também, ao próprio auto-conhecimento, não à toa, apenas após sua própria libertação pessoal, consegue engatar seu relacionamento, sendo que neste, nem mesmo existia.

Homoerotismo, necrofilia, adultério, fetiches. Mesmo na sutileza de sua grafia, técnica sutil (e voyeuristica), Buñuel (em seu trabalho de direção dos mais notáveis pelo dominio da mise-en-scène) fez o suficiente para ir até onde provávelmente nenhum diretor havia ido até então. Antes de De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999), A Professora de Piano (Le Pianiste, 2001) e outros, Buñuel já checava até os submundos mais inacessíveis da avidez pelo sexo, pelo anseio intenso das descobertas e rumos que o desejo descontrolado e a indefensabilidade pode levar. Quase sempre perigosamente auto-destrutivo. Afinal, atua-se na nudez plena, da carne e do interior, onde abdica-se do controle voluntariamente ou não e além dos limites do corpo, revela-se a vulnerabilidade instantânea e possivelmente fatal. Surreal ou não, está ali.

9/10