terça-feira, 22 de maio de 2012

Faster, Pussycat! Kill! Kill! (1965) - Russ Meyer



Com tantos filmes denotando violência, um dos únicos - e melhores -, que atam os rótulos de "filme de violência" e "filme sobre violência" seja este aqui. Mas por aqui, a violência está presente em varias formas diversas; na perversão em geral. De socos e chutes à insultos e ganância, não que nada disso não havia sido reproduzido antes, mas com quase toda certeza, não haviam sido feitos como este aqui. Violência por raiva, por dinheiro, por vontade, sexo ou diversão. Na imensidão dos desertos da California, basicamente seis personagens e suas motivações dançam como marionentes às condições dispostas por Meyer, tudo ao que leve ao ato mais tratado do filme, para escorar violencia em altas doses e mais do que isso, tratar sobre ela.

A história não poderia ser mais delinquente: três amigas strippers correndo pelos desertos californianos em carrões esportivos encontram um casal e então decidem então apostar um racha contra eles, que após o fim ganha desfechos trágicos, as garotas acabam matando o rapaz e sequestrando a garota. Logo, elas elaboram uma história e guardam a garota amordaçada em dos carros. Quando precisam parar em um posto de gasolina, conhecem um velhote deficiente em uma cadeira de rodas que guarda uma fortuna, e decidem então de alguma forma atrair e manipular o velho e seus dois filhos, sendo que um é deficiente mental. Á partir desta premissa sórdida - embalada de mortes, velocidade e sexploitation -, mais do que a própria edificação da história, um interessante estudo sobre a violencia toma lugar.

A própria história indigente é abordada de modo que nunca fora antes. Independente da própria temática do filme e tudo mais, poucos filmes foram tão inventivos na própria arrumação geral na forma como a história seria apresentada. O filme chega a ser farroupilha e marginal, pois a violência retratada é totalmente verossímil e cotidiana. Ao ponto que toda a perversão incorporada nos personagens chega a ser universal. O atrevimento de Meyers não é menos que sensacional. O sangue, as cenas de velocidade, de violência/morte e sexo são banhadas por surf rock, frases de efeito, mulheres de seios gigantescos esbanjando sensualidade, amoralidade e humor negro - falar que influenciou Tarantino, Rodriguez, Ritchie e afins é chover no molhado. Dentre todos os personagens do filme, o único não se mostra familiarizado com toda aquela amoralidade ao seu redor - até de seu próprio pai, que o usa de toda forma quando precisa -, é o filho demente do velhote, obviamente devido á sua condição, que não o permite o entedimento básico da vida, sendo movido pelas pessoas mais presentes em seu cotidiano, e destinado à atividades puramente fisicas - até que uma das principais cernes do filme acerca de sua figura nos jogam desfechos e transformações abruptas e excepicionais.

Meyer torna a platéia intima com os atos brutais do filme, até que então tudo é exposto à niveis extrapoladores; conforme a trama evolui, personagens vão sendo mortos como animais em tela, dando tom de critica social. A história vai alçando novos objetivos e trabalhando nos personagens em um meticuloso e inteligente processo de catarse. E é interessante que até certo ponto do filme - mesmo nunca se encaixando como uma comédia, aliás, não sendo nem mesmo filme de genêro -, tudo ali é apenas uma história quase sem mote, de uma presença quase estéril, servindo só como entretenimento barato e fanfarrão. E só mesmo no ato final, que o filme realmente ganha um clima conclusivo - não sendo menos ficção barata. As atuações são exageradas e toscas, por expressões caricaturais e exclamações exacerbadas, os dialogos vagam entre piadas sexuais e gritarias abruptas e constantes; além do mais, toda a composição imagética é puramente kitsch, as figurações de personagens, os carros, tudo é deliberadamente elaborado para o intuito da realização - e conscientização da platéia -, que tudo se trata de uma encenação, um filme farsesco e vagabundo.

O discernimento entre as figuras do filme estão bem distinstas. Ora uma personagem fala indiferentemente: "Porque você não a mata?" e outra, em outro momento diz: "Oh meu Deus, matei uma pessoa, matei-a como não fosse humana!". A violenta apresentada de forma estilizada passa disso a um ato de sobrevivência em certa hora no filme, atestando que à cada segundo de projeção de tais modos fora sempre apresentado o lado obscuro da mente humana. Através dos anos, o que ficou bem viva foi a imensurável influência de FPKK no cinema contemporâneo, sintetizando de muitas formas muitos tipos aleatórios de Cinema que apenas buscam narrar histórias, reunidos para oficios até então desconhecidos - por meios também desconhecidos que culminaram (como já dito) em um "filme de violência e sobre violência". Em tempo real, um dos filmes mais obrigatórios e admiráveis do Cinema em geral.

8,5/10

















sexta-feira, 11 de maio de 2012

Gritos e Sussurros (1972) - Ingmar Bergman



Dentre tantos filmes de Ingmar Bergman, talvez aquele que melhor pontue a metonimia "filme de Bergman" seja este aqui, para logo se prestar como a sintese de sua filmografia. É muito dificil escrever um texto pra qualquer filme do diretor e não cair em redundâncias - dentre tantos conceitos e abordagens -, pois afinal, tanto já fora escrito e por tantos angulos seu cinema já foi abordado. Como usual, sua obra é de uma textura singular, como não se vê habitualmente; este aqui é um filme tão plástico - em todos os campos -, que podemos chamar o cineasta de esteta. Absurdamente intricado, cheio de artificios, abuso do poder da linguagem cinematografica - visual e diegética.

Para mecanizar toda encenação, o universo de Bergman limita-se em um só labirinto: repetitivo, constante, que se obstrui para dar vida à um só mundo, fechado para qualquer coisa, se torna uma evasão asfixiante e inaquada para qualquer personagem ou ser; um ambiente estreitamente mundano. É um subterfugio tortuoso, nillista, e toda a ambientação restrige-se a este universo em pouco espaço, cujo tempo segue sem escape - daonde nascem quase todos os conflitos do filme. Algo como feito posteriormente - por outra ótica tão autoral e distinta -, por Abel Ferrara em Enigma do Poder (New Rose Hotel, 1998). Em toda essa limitação, tudo se sufoca, se debate, se desencontra, tornando os personagens peças em um tabuleiro mortal, padecendo em condições intrinsecas aos mesmos, cuja as armas se tornam as mentiras, memórias, e o impacto de todos esses sentimentos perante o ambiente e o tempo sempre imparável.

O outro esqueleto do filme são as quatro personagens principais, sendo 3 irmãs e uma empregada, residindo invariavelmente no mesmo lugar - serei didático e breve -, são elas: Agnes (Harriet Andersson), a irmã enferma, em estado absolutamente terminal que passa o filme todo deitada em uma cama sentido as dores agonizantes de sua doença, Karin (Ingrid Thulin), irmã que se divide sempre na incognita de suas ações oras impetuosas oras tenras, Maria (Liv Ullmann) uma conotação - também enigmatica -, sempre parecendo reproduzir uma figura ambigua, entre ações 'impuras' e as vezes sentimentais, parciais, e a empregada Anna (Kari Sylwan), que passa o tempo cuidando de Agnes e preenchendo as vontades das irmãs Karin e Maria.

Cada elemento do filme recebe com tratamento parcial numerosos niveis de obliquidades. Tornando-se, é claro, um filme complexo e presente para as mais diversas desmitificações. A atmosfera criada por Bergman é meticulosa e quase plastica; só para reforçar, repito que isso é empregado em todos os sentidos. A estética se complementa entre os sons e quadros. A trilha sonora por exemplo, não se baseia apenas em temas incidentais previamente compostos, mas também em sons propriamente narrativos e deliberados; pontuados sempre no tique-taque continuo dos relogios, no vento sempre uivando, nos sons destacados da respiração dos personagens. E a fotografia é composta na instauração de poucas cores - dando um efeito de que o todo, é artificial -, dando sempre tons metaforicos e prolongados, afetando a retina do espectador, como o vermelho - presente à praticamente quase cada segundo em tela (até mesmo sendo a inerencia entre cenas), em formas variadas: roupas, cenários em geral. Transmitindo um efeito obvio e dúbio - que será comentado. Então logo quando o vermelho, preto e branco - esses dois ultimos como moldura -, saem de tela, a natureza toma seu lugar, transmitindo uma deliciosa sensação; quando finalmente a luz em tela vem do sol e não de abajures, velas ou lustres.

É o filme das conotações, tudo seguindo um fluxo de semi-surrealidade no qual é a situação das personagens. Novamente, trata-se de um universo deslocado, isolado, e agonizante; palco de uma infelicidade crível e palpavel, cujo a existencia se refrata no conflito da vida espiritual e mundana. Finalmente, aqueles corpos se encontram em um mundo artificial e oco. É um espiral de riqueza estéril, que apenas serve de crosta para a melancolia. Ambas essas formas - o mundano e espiritual -, então lá, incorporadas apropriadamente pelos unicos ambientes do filme: a casa e o jardim. Os próprios estados mentais - dos personagens -, denunciam o sentido devido do filme, de textura rica e oficio simplista - muito simplista. Completando o cerne de um filme de outrora do diretor - vide Morangos Silvestres (Smultronstället, 1957).

O vermelho - sempre em contraste com o branco -, deve transmitir os significados mais escancarados do filme - e no geral, deve ser a coisa mais escancarada e menos ilusória que Bergman já fez. É dual: o vermelho representa de forma mais evidente a presença da riqueza material da realeza na vida das personagens, cor exuberante que carrega consigo até certo escarnio; e em segundo lugar faz alegorias as impurezas dos personagens, reproduzindo sexualidade, desejo e acima de tudo perversão. Desconstruindo o bastião exterior cristalino que carregam as figuras femininas (mesmo que opressadas pelos maridos e pela sociedade da época) - e pessoas do alto escalão social; e isso ganha força em algumas cenas em destaque: como a cena em que Maria seduz o padre, ou quando a taça de vinho se quebra e um estilhaço de vidro se opõe ao vermelho do vinho sobre a mesa - coberta por uma toalha branca. Pois é assim mesmo que a imagem funciona no Cinema, como uma mensagem instantanea que inconscientemente trespassa o olhar do espectador, e de vez em outra, filmes como esse, acertam em cheio na sua utilização.

A concepção dos abstratismos e seus significados - algo costumeiro do diretor -, já são digno de admiração, que perspassam apenas as suas intenções, quando realmente se relevam em suas funções, se tornando puro brilhantismo, principalmente neste filme - cujo é o objetivo deste texto, fazer uma obra-prima como esta, ser admirada e respeitada como merece; todos os temas tratados por aqui são irradiados, se propagam em uma visão panorâmica e bela da própria vida - pronto, falei, por mais clichê que seja, estou mesmo apaixonado. Como dito, é um filme que ganha dimensões maiores que já tinha estabelecido à cada frame, que se transcende e não tem fim mesmo após o seu derradeiro - e lindo - final.

E eu podia fazer um texto de 20 paragrafos explicitando minha admiração passional pelo filme, a ponto que minhas palavras - e consequentemente meu texto -, se tornaria totalmente coloquial e inadequado. Enfim, é um filme para ser visto e revisto - e provavelmente ganharia mais dimensões ao ser feito. Também deve ser o filme que melhor sintetiza o Cinema de Ingmar Bergman - cujo algumas interpretações indicam que se trata de uma filmografia um tanto misantropa, e eu discordo totalmente. Um Cinema que caminha mesmo através da tristeza e infelicidade, mas no fim das contas sendo um libelo ao minimalismo da vida. Complexo, encantador, genial e apaixonante. Um dos melhores filmes já feito.

Nota 9,0