quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A Invasora (2007) - Alexandre Bustillo, Julien Maury



É notável já, a subversão do gore no inicio, quando em um acidente de carro, o choque entre dois automóveis causa a morte de um homem, pai do bebê ainda dentro do ventre da mãe, enquanto a mesma sangrando, após a colisão, acaricia em sua barriga; há sanguinolência, fumaça, chuva e muita carga dramática, mas a escatalogia é "contida" na tragédia do momento, e em ferimentos compreendidos e moderados primeiramente, como já dito, na atmosfera sensível cuja câmera que potencializa os elementos que enternecem, novamente, a tragédia do ato e na noção inteligente de economia de ação e grafismo para o que está por vir.

Descarta-se o lúdico, e como torna-se evidente nos quinze minutos iniciais, o isolamento e o silêncio vão à pouco - e só aparentemente - corrompendo o genêro, ainda que levemente condizente à sua promessa, com a cena do vômito, por exemplo. Mas a dupla de diretores [Alexandre Bustillo e Julien Maury, os mesmos responsáveis pelo também excelente Livide (idem, 2011)] sabiam bem o que estavam fazendo. A intenção e consequente êxito em tornar o ambiente desagrádavel é latente, e sem dificuldades o terreno é fertilizado gradativamente com o efeito claustrofobico dos planos e com a presença calculada dos personagens que são introduzidos - a mãe e o chefe da protagonista. No entanto, enquanto o filme supracitado abraça o lado mítico e sobrenatural da coisa, A Invasora finca toda sua simulação truculenta no que há de mais crível na exibição de visceras e na forma abjeta e excruciante como é feita - o uso dos efeitos sonoros são especialmente bons - a realidade ganhando solidez na brutalidade descabida, se tornando num jogo de resta-um.

A ênfase é constante para dar a entender que A Invasora é muito mais O Segredo do Bosque dos Sonhos (Non Si Sevizia un Paperino, 1972) do que Terror nas Trevas (E tu vivrai nel terrore - L'aldilà, 1981) por exemplo. E que a teatralização que beira o lazer de A Morte do Demônio (Evil Dead, 1981) é jogada de lado à cada de segundo em tela. O fantasma do filme que vai ganhado traços - logo mais, formas e movimento - é interpretado pela atriz francesa Béatrice Dalle, o que é uma escolha perfeita. Trata-se da mesma femme-fatale idílica de Blackout (idem, 1997) de Abel Ferrara. A atriz de características assimétricas e distintas, com idade já avançada encarna uma vilã sem nome - vilã, que aliás, soa muito bobo. E o faz sem margens de erro, além do trabalho fisíco louvável, sua presença em tela, flutuando com seu vestido comprido através do breu, envolvendo e massacrando suas vitimas é simplesmente impressionante de ver, suprindo a responsabilidade de unicidade maligna que representa em um filme gore, e estando no mesmo ambiente como força destruidora o tempo inteiro, assim como Alysson Paradis (que interpreta a protagonista Sarah, a mulher grávida) que não realiza um trabalho menor, representando muito bem a evolução gradual de sua personagem no caminho a se tornar igualmente uma ameaça sem escrúpulos, vertendo seu ardor em poderes que desconhecia ter.

Inverso aos filmes mais dimensionais do genêro - falando em ambientes, é claro - não se trata de dilatações espaciais, mas da invasão deles. Artifício que denota de dois desdobramentos chave: o interno e o externo, fisicamente as suas barreiras e limitações. Afinal, cênicamente nada é mais classico do que a repartição entre vilão e vitima separados únicamente por uma porta trancada - jogada narrativa das mais conhecidas para causar tensão (com a manipulação devida de ação e tempo) - no caso, com a incapacidade da vilã durante boa parte do tempo por carecer de um machado ou equipamento melhor. Tornando assim, como em todo filme de caça e caçador, a casa, o cenário singular de perseguição. Os ambientes dispostos em interiores, sendo assim: exterior, casa, comôdos e porque não, o ventre da mãe. Onde tudo que ali adentra, é absolvido na carneficina da viuva-negra. À ponto que as únicas eventualidades de encontro resultará em conflito, tão certo quanto o sangue dos confrontos, e na condição de campo de batalha que se estabelece, todo e qualquer utensílio caseiro é manualmente usado como arma letal perante aos corpos já envoltos no universo confinado não tão seguro. Além do recurso imagético muito sabiamente usado de fogo e luz pelos competentes diretores - destacadamente nas cenas em que a invasora acende um cigarro - bem como o uso da eletricidade. Tensão e realismo que excluem a banalidade de filmes como Jogos Mortais (Saw, 2004), suas cópias infelizes e continuações.

O terço final de A Invasora evidencia muito do que antes parecia inexplicável, e para dizer ao realmente veio. A invasora, síntese angular do filme, que no fim das contas não é à prova de balas, e que de viuva-negra ganha novas personificações - em uma metamorfose inesperada de impulsos e motivações - para uma espécie ainda mais vil e mortal, cuja peçonha é a maldade racionalizada, sinistra e mecanizada através de cruamente, a violência de forma mais brutal, a mesma que acompanhamos em todo seu decorrer rumo a um dos desfechos mais aterradores do cinema. 

9/10













quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O Testamento do Dr. Mabuse (1933) - Fritz Lang



Fritz Lang é provavelmente o maior deixador de espólios do Cinema. Há um senso de espetáculo e dicotomia muito latente em sua filmografia, isso por possuir uma alcanço dialético dificil de encontrar em qualquer realizador, de qualquer estilo, de qualquer época (tanto se tratando como olhos de um diretor como de um ser humano). O cineasta foi uma das peças mais fundamentais para a criação do noir (se não a maior), genêro que ajudou a fundar e aonde também criou as maiores de suas obras-primas. Lang foi um explorador sem fronteiras, um verdadeiro paladino conhecedor do cinema enquanto expressão artistica, politica, social, além de ser um hábil contador de estórias cujo nivel de entretenimento e interação são raras. Foi em O Testamento do Dr. Mabuse (Das Testament des Dr. Mabuse, 1933) que o cineasta possivelmente chegou no seu auge, reúnindo vários desses elementos adjacentes em um só filme, com requinte sem igual.

Se tem alguém que melhor sabe dosar cadência e explosão na direção de filmes, esse alguém é Fritz Lang - Um Retrato de Mulher (The Woman in the Window, 1944), alguém?. Em O Testamento do Dr. Mabuse, Lang aproveitou para lançar sua alegoria politica-social se apropriando do campo possivelmente mais improvável que poderia, o do sobrenatural. No entanto, a maior falácia que pode-se cometer é limitar um filme desse à genêro, pois essa obra de Lang se catapulta para a narrativa sem padrões diegéticos, como filme de máfia, policial, terror, suspense, drama e porque não comédia - no subliminar e famigerado humor do cineasta (há quem diga que o personagem de Dr. Mabuse dizia as mesmas palavras que Hitler dizia em sua campanha). O diretor chuta o pau da barraca em todos sentidos (inclusive, eu não devo ter visto qualquer filme da época cuja estória se desenrola à partir de três narrativas distinstas - raramente diria duas - que vão se alinhando proporcianalmente conforme a prosa avança, com personagens gradualmente se envolvendo e culminando na resolução e surgimentos de conflitos, cada um com suas funções simbólicas e expressivas para a trama), tudo filmado com toque de artesão do diretor que técnicamente esteve à frente de todos em sua época.

A criação de um mito alusivo, do mundo igualmente concebido e situado em seu tempo (no período de seu lançamente, a obra foi censurada na Alemanha pelo ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, durante a ascenção do regime nazista com o controle das instituições e dos meios de comunicações, sendo assim, o filme só pode ser exibido no país após o fim da Segunda Guerra). Quando em Dr. Mabuse (der Spieler - Ein Bild der Zeit, 1922), o foco era o próprio personagem onisciente, sua gangue e a encenação de seus golpes megalomaníacos (bem como o próprio filme de 297 minutos de duração), as reproduções anti-nazistas só davam lugar indiretamente em algumas das cenas do filme de longa duração (como a hipnotização múltipla de um teatro inteiro pelo Dr. Mabuse em um de seus truques). Neste aqui, Lang soube incluir muito mais em muito menos tempo, inteligentemente.

Finalmente, Berlim está um caos, uma rede terrorista assola a cidade seguindo os rascunhos e as arquitetações do Dr. Mabuse (agora internado e declarado como insano em um hospital para doentes mentais), enquanto isso um inspetor chamado Lohmann é chamado para assumir o caso, e um homem que acaba de perder o emprego entra para o mundo do crime, depois procurando sair. Este é o panôrama designado para Lang aos poucos martelar sua parábola de horror e declínio, através de uma figura mítica e afigurada em trajes flexíveis ao translato da fábula - e que apesar de não tanto aparecer como pode ser sugerido, é sempre o centro da estória, o centro de tudo. Pois apesar de estarmos cientes dos poderes psíquicos e sobre-humanos do personagem com o filme predecessor, sua real faceta, incorporação e objetivo jamais são realmente claros. Lang também foi um linguista visual dos mais habilidosos (ou você viu alguma cena mais fantástica que a execução ocorrida no semáforo, as aparições fantasmagóricas do Dr. Mabuse, a perseguição final) e todos os planos usados pelo diretor que mostram domínio sem igual quando se trata de ter controle de tudo que convém a linguagem visual cinematográfica (o conteúdo da imagem e como é captada).

A vilania jamais foi tão complexa, ampliada a estrutura do tamanho de um filme. Afinal, quem é Dr. Mabuse? a materialização do mau, um monstro, um gênio, uma figura maldita e de existência inexplicável (sem origem, discurso e relação). Nem mesmo sua própria gangue o conhece, nem mesmo seus capangas reconhecem porque o dinheiro nem ao menos vai para suas mãos. Por isso uma das imagens mais solenes à serem celebredas em O Testamento do Dr. Mabuse seja justamente o close em seu rosto, à ponto que o enquadramento alcance todos os seus traços e reproduza o seu semblante legitimamente assustador (com o imagético carregando e acentuando esse sentimento ao nivel maximo pelo tamanho do mistério e obscuridade da natureza daquilo que é fotogrado), ainda que nada seja respondido, ali ou depois. A saída é examinar o plano geral: a estória de uma rede que exerce o mau, em direção à classes especificas em função de um louco que não realmente conhecem, mas cujo seu plano é presente no imaginário geral com poder inimaginável. Acima disso, uma força que não morre e dispersa a loucura e a violência através dos tempos, o que soa menos ingênuo; o que segue se ajustando até a época em que foi lançado Os Mil Olhos do Dr. Mabuse (Die 1000 Augen des Dr. Mabuse, 1960) agora com o império de camêras e a observação constante condicionada pela chegada da tecnologia. No capítulo final que não deixa de ser menos pessimista, insano e referente.

A esfera do que é ficção, cujo os pontos tornam-se um único corpo para que dentro haja um mundo (e reivindique apenas no que vê o privilegiado autor) nunca deve ter chegado tão perto de implodir como aqui. Fantasmas e realidades sinuosas que beiram o que há de mais limítrofe que podem surgir aos olhos da audiência, mas que ao mesmo tempo não deixa enganar, ilude tão bem mas que ao fim se revela à expêriencia que realmente foi, designada com a famigerada estética do noir e com os registros movimentados e inovadores da câmera de Lang, mais abrangente e genial do que nunca. Mas que felizmente teria ainda passado muitos anos de realizações cinematográficas magnificentes e como poucas, essencialmente patentes.

9,5/10






























sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Triangulo Feminino (1968) - Robert Aldrich



Aldrich foi um dos cineastas mais autorais e subversivos de sua geração. Deixemos de lado o esporádico Big Leaguer (idem, 1953), no qual já se notava sua pericia técnica - afinal antes de começar a fazer seus próprios filmes, Aldrich trabalhou como assistente de diretor, com não menos que diretores como Chaplin, Renoir, Losey e Ophüls, tendo até sido assistente de Chaplin na direção do clássico Luzes da Ribalta (Limelight, 1952) - logo depois fazendo quatro filmes completamente autorais cujo observa-se claramente a vontade do cineasta em lançar sem pudores sua visão do mundo, completamente idealista e original.

Como não poderia deixar de ser, seu cinema e sua obra não sobrevive sobretudo de polêmica. Em Triângulo Feminino (The Killing of Sister George, 1968), o cineasta conta a história conturbada de um casal lésbico (interpretado pelas atrizes Susannah York [uma beldade falecida em 2011, recorrente ao cancêr] e Beryl Reid) uma cuja perde o emprego na novela que trabalhava na medida que seu conjuge está em plena ascensão e envolvimento com o mundo do show business - o que remonta ao celebre filme do diretor, O Que Terá Acontecido com Baby Jane? (Whatever Happened to Baby Jane, 1962). Não apenas pela relação de ambos os filmes com a fama e a industria do entretenimento, mas também pela temática constante de passado e decadência que se estabelece como um chaga na filmografia de Aldrich.

Não à toa, o que há de mais frequente nos filmes do diretor são as cenas de melancolia e nostalgia vertidas em agressão e violência, no âmago das emoções transformadas nos dramas mais pesados, e em outros casos, até mesmo atingindo a superficie do terror. Para isso, Aldrich não econimiza de cortes secos em direção as linhas de aflição e fúria de seus personagens, apostando na encenação mais crua e ao mesmo tempo mais distorcida que conseguir, para dar mais relevo à força de sua situação e tudo que puder extrair, fazendo mesmo doer a garganta de quem acompanha sua narrativa tortuosa (e geralmente longa que em algumas vezes pode até cair na redundância, apenas para acentuar a dor dos rumos que tomam sua trama [geralmente dominada pelo pessimismo e ceticismo]).

Em todos os filmes dramáticos do diretor (que em grande maioria passeiam entre genêros e possuem a sua mais que patente assinatura) tudo se trata de nada mais que uma estrada fatidica à catarse. Tomando como exemplo sua obra-prima mais insuperável A Morte Num Beijo (Kiss me Deadly, 1955), inicio e fim se intercalam se equivalendo pelo mistério soturno erguendo-se no inicio e que aos poucos vai se revelando através de um ciclo de corrupção, violência e mentiras que passa o detetive - e no mais, como no caso deste aqui, vai rasgando uma cortina de ilusões -, no fim se esclarecendo uma parábola apocaliptica, chegando ao fim da encenação simbólica da Guerra Fria. Então quando George (personagem de Reid) descobre que sua personagem (e por consequência sua carreira) morrerá, temos certeza que não haverá qualquer marasmo daqui pra frente, mas sim uma descarregação raivosa de vingança que caminha a auto-destruição.

O que pode se ver com facilidade em Triangulo Feminino e o deixa um passo acima das obras similares que o cineasta dirigiu anteriormente é sua evolução própriamente como realizador, conduzindo e conciliando com coesão e calma todo o desencadeiamento de acontecimentos e dirigindo todas as cenas mais importantes do filme com timing dramático e cômico com total domínio - o que pode ser um desafio para o diretor em um filme que no inicio parece unilateral e vai abrindo camâdas e inteirando personagens no enredo sem qualquer elipse. Além de definitvamente acertar o tom em uma das suas caracteristicas pioneiras: filmar a loucura em momentos intímos, demolindo seus personagens ao ponto que todos eles estão à mercê dos próprios nervos, vulneráveis ao limite.

Após ter já ter constado seu parecer quanto à moral volúvel e condenável acerca da industrial cinematografica também em A Grande Chantagem (The Big Knife, 1955), o insight aqui é mais satirico. Para isso, Aldrich deixa seus atores todos em afinação - todo elenco está magistral. Beryl Reid encarna o que é uma das personagens femininas mais insuportáveis, engraçadas e definitivamente memoráveis do cinema (a cena em que ela ambula pela festa dos bastidores no estúdio humilhando os produtores é simplesmente perfeita, para aplaudir de pé, tanto que foi indicada ao Globo de Ouro para Melhor Atriz naquele ano), e Susannah York materializa a sensualidade em pessoa (o que dizer da cena lésbica com Coral Browne [com o auxilio daquela trilha sonora desfiando nossos sentidos] ou quando mastiga o tabaco dado pela amante sadicamente para a punir de volta?).

Pode se dizer que Triangulo Feminino é Aldrich no auge de sua forma, agressivo como o cinema de Peckinpah, mas também um artesão sensível e dominador da própria arte; aqui ele finalmente confina mais sabiamente do que nunca o seu melodrama e exploitation, o que tinha em mente se tornou a reprodução certeira, carimbando sua patente extrema de cicatrizar e potencializar histórias inicialmente humanas até o que podem ser.

8,5/10














sábado, 22 de setembro de 2012

O Eclipse (1962) - Michelangelo Antonioni




O filme que marca o fim da tríade de incomunicabilidade de Antonioni é o seu mais radical exercicio de estilo, aproximando surrealismo, neo-realismo e romance em prova de conteúdo e estilo, o diretor atingindo um de seus cumes. A tão chamada trilogia da incomunicabilidade responde à apenas um periodo na carreira do diretor (que na verdade seguiu trabalhando sobre o assunto através dos anos). O que é notável em O Eclipse (L' Eclisse, 1962) é exatamente esse tom alegórico do diretor (que além de realizar o seu ultimo filme em preto-e-branco) encerra seu filme como um fenômeno soturno, em nota de bela, mas triste e pessimista conclusão, com a desfacelação do que vinha a dispersar durante todo o filme.

Da mesma trilogia, O Eclipse é sem dúvida o filme de leitura mais atraente e de compêndio mais rico dos que realizára. Narrando novamente um conto sobre relacionamentos, com uma mulher (Vittoria, interpretada pela musa do diretor na qual já foi esposa, Monica Vitti) que acaba de terminar com o namorado (logo em uma espécie de prólogo, no qual o término do relacionamento não apresenta nada de novo no que vimos nos demais filmes do diretor), sem nada à dizer, e o esforço em vão de reanimar uma relação já sepultada pelo tédio e falta de comunicação, com os quadros se aproximando e logo se distanciando congelando os olhares tristes, de um relacionamento no fim das contas apenas clandestinos; e depois conhecendo um corretor da Bolsa de Valores, chamado Piero (Alain Delon), iniciando uma história marcada pelo devaneio incerto de amor e futuro.

Na concepção simbólica de universo que Antonioni deseja encenar, todos os seus recursos são levados às ultimas circunstancias. Dialogos fora de plano e inaudiveis (em especial uma cena extraordinária de A Noite [La Notte, 1961], com o casal de Mastroianni e Moreau aparentemente se acertando, em uma conversa dentro de um carro em movimento na chuva, com as janelas embassadas e até o final a incerteza do que foi dito), e no caso as geniais cenas na Bolsa de Valores onde reina a gritaria de corretores e empresários, mas nada realmente pode ser ouvido e tão menos compreendido. A rotina e os longos horários findados pouco à pouco exaurindo os personagens ao cansaço e ao vazio - excluindo a possibilidade de maiores expressões e evasão de sentimentos, anulados pela automatização das relações humanas. Tudo expelido sem dó pela decupagem precisa e única do diretor para a versão de falas e semblantes, isso quando não vaga pelas ruas sem rumo, sem nunca dar continuidade à dissipação eterna de imagens e sons e a reflexão direta do autor em relação ao mundo contemporâneo.

Com isso, Antonioni projeta uma mentira, ergue-se um amor ou paixão aparente que se desenrola no ato pouco descomunal de contato, nos furtivos e efêmeros jogos de sedução que se iniciam nos comôdos, e por lá terminam - que vão adiando cada vez mais a consumação e a entrega ao amor. A pendência que se estabelece vende uma idéia, para que no fim se estilhace. Assim caminha o trilho da sugestão, pela epítome das frases, a mais famosa: "queria não te amar, ou te amar melhor", dita por Vittoria. Eis uma relação ilusória, que jamais abandona o campo fisíco - e que no mundo de Antonioni não poderia sequer se sustentar. O painel que gradativamente vai se edificando com o calor humano, é contra-plano da natureza opaca, limitada e incapaz daqueles personagens, que na porta do paraíso não são capazes de se abrirem e consignarem por definitivo suas verdadeiras emoções.

A sequencia final (como instância fundamental da fotografia eficiente e tridimensional de Gianni di Venanzo) que vai de Buñuel à Teshigahara, com a representação derradeira e apocaliptica de fim de um ciclo (com a ultima imagem de Alain Delon frisada e inesquecivel quinze minutos antes do final), e a ocorrência do fenômeno celeste mais soturno e porque não, belo de todos, o eclipse, e talvez o inicio de algum outro relacionamento qualquer, em algum outro lugar, onde caminhará o asfalto vazio com construções incompletas e mais casais de mãos dadas, mas na incompletude do silencio e a consequente incapacidade de amar.

9,0/10

























sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O Processo (1962) - Orson Welles




Se foi em Verdades e Mentiras (Vérités et Mensonges, 1973) que Orson Welles discorreu e sintetizou todas suas assertivas enquanto arte e cinematografia, através da linguagem paralela de ficção e documentario - e para depois, assumir a própria de condição de farsesco, com Welles trajado simbólicamente na figura de mágico ilusionista -, em nenhuma obra de sua filmografia, suas asserções fizeram mais sentido do que neste aqui, O Processo (Le Procès, 1962), seu cinema em estado agudo de perfeição. Também por ser o seu filme assumidamente narrativo ficcional que melhor se adequada às propriedades que o diretor veio a desmistifcar genialmente em Verdades e Mentiras, dispondo o duelo entre legitimo e falso, verdade e manipulação, para declarar e celebrar a ruptura de quaisquer que sejam a barreiras que o Cinema do próprio, e em geral um dia pode ter ostentado.

Para isso, Welles adaptou a obra-prima mais conhecida do grandessíssimo escritor Franz Kafka (o mesmo autor conhecido por A Metamorfose - outro pesadelo kafkiano -, e O Castelo), do livro homônimo, O Processo, cujo romance foi convertido para roteiro também por Welles. A transposição de Welles da obra para às telas responde apenas para os próprios impetos absortos - algo que sempre foi caracteristica alicerce do diretor (que acabou sempre tendo seus filmes editados por grandes estúdios). Enquanto assistimos O Processo, temos certeza de que tudo que vemos se apresenta apenas conforme às vontades de Welles, se deitando sobre todos os privilégios e subterfugios inimaginaveis que possui (com todo direito) como realizador. Agora, chegando à um ponto quase contíguo de liberdade criativa, ambição artistica e talento sublime que tinha em mãos, da figura ao mesmo tempo tão arcaica e visionária que sempre foi.

Aos mais desatentos, ou para quem acabou de chegar, pode aparentar o contrário, mas Welles nunca almejou mais longe (com êxito) em qualquer outro filme; nunca houve um abuso tão explosivo e latente de ambição e desbravação da linguagem que fora manifestado com mais força, antes ou depois. A diegese surge e caminha ponderadamente, e não há a menor pressa (a não ser que calculada) para aduzir à algo que
não tenha seu lugar devido. Até mesmo no inicio, dispensado créditos e apresentações, há um prefácio - com uma encenação grafica simplista e narrada em off por Welles de um trecho do livro O Processo (que depois se valerá de pura memória e artefato de força e significado no final de todo filme). Há uma sutileza e arranjo de detalhes de tanto requinte, que parece ser até acidente.

Para começar a tecer de vez sua técnica visual e narrativa, o quadro que abre o filme (cujo à principio parece imparcial e inocente), nos joga a primeira pista (do acordar, tanto de despertar para a vida, ou de abrir os olhos após um sonho ou pesadelo). O nosso personagem protagonista, Josef K (interpretado magistralmente por Anthony Perkins), que nada conhecemos, levanta-se da cama sendo acusado por dois policiais rudes, estranhos e intolerantes, é preso e levado para responder processo, sem aparentemente ter idéia do que é acusado. Nos remete a também obra-prima e pesadelo kafkiano de Hitchcock, O Homem Errado (The Wrong Man, 1956), no qual narra-se a história de um homem comum confundido com um assaltante de banco, que depois acaba sendo preso. Mas enquanto Hitchcock aposta em ratificar o próprio nivel de realidade na decorrencia de acontecimentos, do infortúnio crível, Welles resigna qualquer formato de realidade, interessa a denotação da visão de pesadelo, dos absurdos, numa verdadeira esquisitice em celulóide.

Tamanha a magnetude de minuciosidades, nos primeiros cinco minutos de filme, Welles já nos manda uma mensagem inconsciente. Roda toda sequencia inicial (em um conjunto residencial), para surtir agonia e desorientação, onde portas levam à ambientes distintos, há claridade excessiva, personagens bizarros e montagem frenética - assim como segue todo o filme. Em todos os ambientes, há uma disposição obtusa de objetos em cena, proporções, ângulos tortos que distorcem nossas impressões, e etc. Tudo em prol da sensação de ilusão e bizarria, como se Orson Welles estivesse ali, ao nosso lado, assistindo o filme, e rindo da nossa cara. A descrição estética do universo corresponde à todo proposito de Kafka.

A essencia da obra de Kafka permanece com o mesmo vigor no mundo opulento de Welles. A critica para com os atributos de justiça e ética dos processos e julgamentos nos tribunais - remontando ao estado totalitário no qual vivia Kafka. Josef K, passa pelas etapas de seu processo que extrapolam qualquer parcela de imparcialidade e moral, com busca para o motivo no qual está sendo julgado (ao passo que começa a ficar atordoado, á beira da loucura). Crianças dão depoimentos, advogados e juízes são indiferentes, policiais corruptos. O circo está armado. No mais, nada é realmente tangível, a qualidade metafisica da obra é ainda mais dimensional. Nem mesmo do nosso protagonista temos certeza, ele mesmo que se diz sentir-se culpado de coisas que não sabe ao certo se fez e que ao alegar inocencia, é respondido "inocente do que?"; seria culpado por não admitir a própria culpa? por falta de humanidade? Subentende-se uma relação com a prima menor de idade. Ademais, Josef K seduz (e é seduzido) por mulheres dúbias afim de propósitos individuais, pondo em cheque a genuidade de sua "inocencia".

O apologo catartico são se revela sobretudo na sua cena final. A parabola aponta à morte da moral, que se reflete nos piores dos pesadelos. Através de todas as linhas de artificio, Welles realiza seu filme mais enxuto, seu apuro cinematografico em função do espetaculo, a elegia energética diante das frações que cercam e diminuem o Cinema em formulas distantes. Mais do que em qualquer outro filme do cineasta, nessa interseção de verdades, Welles nos mostra e se enaltece ao que verdadeiramente foi: um mágico.

9,5/10




















quinta-feira, 19 de julho de 2012

Fogo Contra Fogo (1995) - Michael Mann


 

Com Fogo Contra Fogo (Heat, 1995), Michael Mann deve ter realizado seu sonho. O feito gerou um filme de 2h e 40min, com dois dos atores mais aclamados de suas respectivas gerações atuando como protagonistas, realizado sob um orçamento folgado de 60 milhões de doláres (valor que foi triplicado posteriormente nas bilheterias), e versando sobre seu tema favorito: o homem no contexto social, suas escolhas e sua natureza. Mesmo no caso, de oficio mais comercial que o usual, Fogo Contra Fogo não foge à plenitude que é o cinemão de Michael Mann.

Personagens malditos que herdaram também o aspecto apaixonado dos homens da filmografia de Mann. A mulher, que sempre desempenhou papél importantissimo na carreira do cineasta segue com a mesma intensidade, a instituição familiar, de filhos problemáticos, mulheres insatisfeitas que dividem seus agregados com seus trabalhos perigosos, em proporções desiquilibradas e fontes de abalo, esses sujeitos com suas catastrofes fatidicas. Do policial Vincent Hanna (Al Pacino, bem no papel apesar de seus maneirismos habituais) que só serve pra caçar bandido e do ladrão Neil McCauley (Robert De Niro, espetacular) cuja função restinge-se à assaltos perigosos e bem calculados.

Ainda dialogando com elementos seminais do diretor, Fogo Contra Fogo é um outro tratado sobre os homens complexados da filmografia de Michael Mann. Um diretor que parece compreender como ninguém a singularidade das peripécias que compõem a natureza complexa dos homens, individualmente; aí então, o que ele procura não é conceituar, definir ou cercar, de forma como alguém busca uma formula perfeita, ou que procura pragmatizar o valor da consciencia, das motivações, dos sentimentos e etc. O que ele faz é nos induzir sutilmente para dentro de seus personagens, de suas figuras isoladas e obsoletas. Para isso, pouco importa esbarrar brevemente pelos limites da verossimilhança, que na verdade tem muito mais peso existencial do que investigativo.

No epicentro desse espiral, Mann encontra espaço para contar um filme policial sintético de gato-e-rato, de policia e bandido em reta de colisão no sentido mais metafisíco dos termos. Não só por estarem fadados ao conflito devido as suas ocupações de antíteses judiciarias e sociais, e pelos papéis completamente contrários que desempenham no mundo, mas justamente pelo o que os une. A brecha que ata duas forças tão adversas é a factual semelhança do "estar no mundo" que atuam. Do reconhecimento reciproco de policial e bandido que entendem a natureza intransigente (enquanto homens) que residem dentro deles que não os permitem a respiração fora de seus habitats, que impede a refração de uma ordem já estabelecida.

Nessa empreitada de sacrificios e de essencias que não se desgrudam - que parecem parte do código genético -, mesmo com a mudança dos tempos, a figuração técnica e o conteúdo de Mann seguiram parecidas com suas grandes obras oitentistas, de roupagens distintas, progressivas e até aberrantes. Da trilha marcada por fortes batidas eletrônicas, sintetizadores psicodélicos e muito blues - vide Profissão Ladrão (Thief, 1981) e Caçador de Assassinos (Manhunt, 1986) -, que também ganham vida quase que predominantemente na noite das locações urbanas, das luzes estouradas dos edificios e postes, na iluminação soturna e bela de painel azulado que sempre ganha sua vez - tais muitas caracteristicas advindas principalmente do clássico de Scorsese, Taxi Driver (idem, 1976) - nos niveis exaltados do mesmo realismo e romantismo, da composição que igualmente flertava diretamente ao psicológico de tragédia e estranhamento de um homem diante da marginalização do ambiente em que vive, da sociedade que molda seus habitantes e etc; de todo visual supracitado que atravessou influenciando diversos cineastas como Abel Ferrara, David Lynch e outros, de todo esse viés de obliquidade quase delirante no tratamento de personagens, sem rumo definido que caminham em estradas perigosas de atalhos ciclicos e nillistas.

Nosso privilégio é apenas acompanhar e refletir sobre esse cinemão imponderável, de um autor cheio de manias (até tem espaço para suas usuais cenas na praia, tique sintomatico do diretor que toma vez pelo menos uma vez em seus filmes), também sua direção genial que praticamente nos empurra para dentro de seus tiroteios frenéticos, de fabulas tão queridas, profundas e interativas, de policial que segura a mão do bandido derrotado pelas circunstancias, de tanta poesia que só nos cabe à compreensão, no caso, prazerosamente vendo e revendo.

8,5/10































segunda-feira, 16 de julho de 2012

Instinto Selvagem (1992) - Paul Verhoeven



A grande releitura do film-noir do Cinema contemporâneo. O genêro que foi predominante no periodo clássico do cinema, que os filmes eram erguidos geralmente à partir de obras literárias da época da Grande Depressão americana, textos que retratavam de forma romântica o genêro policial, que das páginas foram gradualmente convertidas as telonas no auge do cinema falado. Contrastando fortemente o preto-e-branco - com influencias do expressionismo alemão e mais posteriormente chegado ao neo-realismo -, o noir (que conceitualmente era um estilo visual) inevitavelmente se tornou conhecido como o tal filme de genêro: os romances de mistério que humanizavam as figuras policiais, onde detetives e tiras residiam em um ambiente geralmente desonesto, imoral e inadequado, se opondo aos bandidos crueis (mas sempre motivados), às mulheres ambiguas, a corrupção local e etc.

Em 1992, após muitas progressões liberais midiaticas, coube à Verhoeven reler e ampliar o film-noir conforme às vantagens que a época oferecia. Tirando o grafismo hiberbólico, a essencia que compõe o painel dramático do genêro continua lá. Nick Curran (detetive interpretado por Michael Douglas, em grande atuação) remonta à aquele mesmo tipo policial cheio de problemas, fraquezas e defeitos. Trajado pelo terno marrom escuro e o cigarro habitual, seus vicios. As fraquezas que o deixam ser facilmente seduzido, manipulado pela femme-fatale. E o maior inimigo do policial também está lá: seu passado. Quando em outrora, a encrenca do passado se refletia em amores mal-resolvidos, remorso e amargura, Verhoeven aproveita para extrapolar esses limites compondo uma figura cujo o passado era vivido em vicio de bebidas e cocaína, uma ex-mulher morta (em um suicidio) e por ter matado dois inocentes no fogo cruzado.

A femme-fatale de Sharon Stone (absurda) não perde em nada para as grandes personagens que encanavam essas figuras tão intrigantes. Catherine Tramell é bissexual, insinuante, é uma amplificação possante das femme-fatales do periodo clássico (ou melhor, original) do genêro. Ela ainda guarda o oficio dúbio que tal personalidade empresta ao filme. Também traz uma das cenas mais celebres e sensual dos ultimos tempos: a famosa cruzada de perna no interrogatório. O enredo reserva ainda mais a ela (num filme que na verdade, é um grande thriller); além do mais, é uma escritora que convive com pessoas envolvidas com crimes afim de inspiração e, cuja as obras se refletem em mortes conectadas à sua história e existência (que ao passo que à torna uma suspeita pela obviedade das circunstancias, igualmente-lhe imuniza, de forma que argumenta que seria estupidez escrever sobre assassinatos que à tornariam suspeita automaticamente).

Trilhando o argumento à partir do elemento mais básico do noir: a investigação policial (nossa investigação consequentemente); Verhoeven desenvolve um jogo de mise-en-scene brilhante, repleto de erotismo, tudo é rodado com o brilhantismo do diretor, com trilha sonora tensa, sexo, espelhos e ambientação de velha-guarda - que remete muito ao classico Chinatown (idem, 1974) de Roman Polanski. Os grandes beijos do noir aqui vão para dentro das quatro paredes, reforçando o processo simbólico de declinio e perdição. Todo o peso narrativo que era coração e alma do noir é elevado as ultimas circunstancias. Os coadjuvantes, aparentemente irrelevantes, se tornam peças estapafúdias para twists radicais, novas tramas surgem do nada, tudo em prol de uma continuidade de acontecimentos que se tornam um emaranhado de situações extraordinárias, desmitificando e expondo sem pudores à natureza selvagem do ser humano, do tesão imediato que deve ser satisfeito imediatamente. Verhoeven não opta por desconstruções ou inovações do objeto pronto, mas sim por intensificar, revigorar o estilo textual, e combina com as mesmas propriedades exageradas do diretor. 

A sofisticação de Verhoeven na apresentação e desenvolvimento da história é digna de aplausos. Diferente de 90% dos suspense modernos, tudo é narrado com diversos clímaces, movimento, e tensão que caminham em um só fluxo, não denotando apenas o climax final - ou o hoje em dia tão aclamado, final surpresa. Na verdade mesmo, Instinto Selvagem (Basic Instinct, 1992) é todo um grande alucinante e orgásmico filme. E no fim da história, assim como no supremo Fuga do Passado (Out of the Past, 1947), a resolução se revela mais um devaneio incerto - em uma tomada que exala a perfeição -, cujo nem mesmo o espectador deve descobrir, apenas contemplar na dúvida. Essa obra-prima de Verhoeven é grande Cinema.

9,0/10

















segunda-feira, 2 de julho de 2012

Missão: Marte (2000) - Brian De Palma



Com o que podia ser o melhor filme de De Palma, foi cravado o próprio túmulo. É no minimo interessante pensar o resultado do genêro de ficção cientifica nas mãos do diretor. O espaço (grande cenário das possibilidades no Cinema) já foi explorado em outras ocasiões outrora. Celebrado como um monumento, Kubrick realizou 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968), o filme-síntese do genêro. A odisséia no espaço de Kubrick, sobre a evolução, sobre o comportamento humano, a relação homem-maquina e mais 1000 coisas é modelo geral no Cinema. Menos conhecido, o excepicional Solaris (Solyaris, 1972), alegorias sociais e substancialmente a solidão e o espaço de espelho para a alma, as memórias, seguia os trilhos do lirismo. As indefectíveis ficções supracitadas, sobre exploração, descoberta aceitavam os desafios que o palco trazia, sem dimensões e uma gama inesgotável de questões. As obras em si, antes de tudo um ritual ao infinito ecumênico das eventualidades do universo, era o que mais importava. Na ficção cientifica, abrir novas fronteiras, desbravar até o desconhecido (alusão metalinguistica ao Cinema). Megalômaniaco, intimista, o que der na telha, pois a ficção é mesmo pra chutar o pau da barraca.

No caso de Missão: Marte (Mission To Mars, 2000), grandiloqüente e falho. Mal escrito, posteriormente nem a direção salva. A infinitude do espaço ganha traços monocromáticos e reducionistas. Um filme absolutamente forjado, eufórico de idéias estapafúrdias e há muito rarefeitas. Parece até amaldiçoado, mas Missão: Marte não funciona com nenhum tipo de publico. A tentativa para até o apoteótico é entediante ao publico-médio, ao publico-cinéfilo, ao publico-critico. Oras trivial, oras dissonante, segue sinuoso e mal realizado. Narra-se a história de um grupo de astronautas que vão até Marte em uma missão de resgate para descobrir se há sobreviventes de uma expedição anterior, que culminou numa catastrófica e misteriosa tempestade de areia.

Estraçalhado pela crítica e público, e só lembrado para ser ainda mais esmagado. Mas não é à toa, Missão: Marte é um filme cheio de problemas. Desde a abertura (com um prológo terrível de tão tosco - que poderia ter vindo da mão de qualquer diretor) até o final (carregando um sentimento tão exorbitante quanto frustrante), nota-se com facilidade que Missão: Marte é um filme desequilibrado e equivocado. Curioso e inexplicável, De Palma conduz seu filme o inibindo em excessos de pontualidade, de sustento, abusa-se de longas construções de cena (cujo o diretor é perito) rumo à um desfecho de espectativas subvertidas. A dramaturgia que se estabelece é de segunda mão, os personagens são unidimensionais e as inter-relações são arquétipos de novela. No mais, De Palma (que é um dos meus diretores favoritos) novamente é um desastre cômico, que nunca realmente foi o forte do diretor - vide Terapia de Doidos (Home Movies, 1980) e A Fogueira Das Vaidades  (The Bonfire of Vanities, 1990), os dois filmes justamente mais fracos da vasta e genial filmografia do diretor.


Do caráter onirico e psicodélico das ficções cientificas, nada sobra. Além de dramáticamente nula, a ficção cientifica depalmiana se dá por um amontoado cenas efêmeras, reduzindo o genêro à um simples thriller espacial insípido. Aproveitando a qualidade incompáravel de De Palma na edificação de tensão (que já fora muito melhor situada), a fita transpõe-se à um apanhado de cenas indiferentes e pouco relevantes no contexto geral do filme. O conceito de desbravação do genêro é contornado por um arranjamento limitrofe e reacionário, pouco excitante e muito repetitivo (50% dos dialogos se resumem em termos cientificos). A instauração do excesso de pragmatismo, dialogos, didatismo sufoca o que poderia haver de melhor no filme: a surpresa, a epifânia. Daí qualquer interação de platéia para com o filme vão se diminuindo para um olhar anódino e corriqueiro de um espectador acompanhando um suspense espacial pretensioso, anti-climático e frio. De concepção pouco cinematográfica.


Contudo, Missão: Marte tem alguns bons momentos, de singeleza genuína, quando os astronautas despirocam no espaço e reproduzem Dance the Night away (Van Halen) em plena nave, a descontração resulta talvez no melhor momento no filme (cujo é emoldurado por um dos melhores travellings da carreira do diretor, que claramente remete à um plano-sequencia da obra de Kubrick do genêro ), que como numa ciranda flutuante, dançam felizmente os personagens, esquecendo a realidade isolada que vivem (momento esse que talvez seja o único que alternam os artificios inúteis de apelo emocional pela força criativa e singularidade que possa trazer uma cena legitima como tal). Como um filme bem intencionado, no fim das contas, o resultado não foi dos melhores, ainda mais vindo das mãos do autor que rodou os melhores suspenses do cinema contemporâneo, policiais alegóricos e que produziu até então as melhores homenagens ao Mestre Hitchcock.

















domingo, 17 de junho de 2012

Delirio de Loucura (1956) - Nicholas Ray



É dificil achar em toda história do Cinema, um cineasta tão cruciante quanto Nicholas Ray (ou qualquer artista). Os seus filmes sempre transcendentais, sua vida marcada dos encândalos mais expositivos e pungentes. O seu nome sempre se traduziu nos sentimentos mais delicados, nos mais profundos complexos, nas situações mais extremas. Pode se ler, ouvir o seu nome, mas é mesmo na tela de cinema que suas multiplices tomam vida, emoção ao mais metafisico sentido da palavra. Sempre tendo aspirações no meio artistico (inclusive tendo sido ator de teatro), parece ter entendido como ninguém o poder das telonas, de sua potência e existência interativa para com o espectador, e através da tecnica cinematográfica, erigiu algumas das experiências mais imersivas e tocantes de toda história do Cinema, de derreterem os mais diversos tipos de publico.

Amargura, medo, incompreensão, amor, fúria. Cabe tudo isso e mais nas fitas realizadas por Ray. O mundo e seus personagem sempre vagando na mesma proporção, as suas lentes observam como no olhar de quem não julga, busca compreensão no âmbito imagético e nos niveis de obliquidade que o mesmo carrega. Em Delirio de Loucura (Bigger than Life, 1956), somos apresentados informalmente ao personagem e a vida do professor Ed Avery (em uma atuação monstruosa de James Mason), pai carinhoso, dedicado e profissional bem relacionado no seu meio. Sua índole à principio hermética é construida de modo raso e preciso, passeando entre cenas, Ray vai estabelecendo superficialmente os esboços de seus personagens. A ruptura dessa formula se dá logicamente quando o personagem de Mason começa a sofrer espécies de desmaios, que o impedem por um breve periodo de tempo de se levantar e se mover. Aparentemente insolucionável sua doença inicialmente, é revelada como um caso tanto raro. Então-lhe é prescrevida uma droga, nova e até então bem-sucedida, de sintomas suspeitos que o transforma (ou revela) uma nova personalidade, de carater violento e auto-confiante, mas que estabelece um paradoxo, tornando seu estado terminal pendente do uso regular do medicamento.

O argumento (e tudo que o precede - sua doeça e posteriormente a droga que deve tomar) servem como subterfúgio para Ray desmistificar seu personagem. A instituição familiar americana (pós-guerra) é retratada (primeiramente também) puramente por esteriotipos: a mulher sorridente e submissa (Barbara Rush) e o filhinho educado (Christopher Olsen). A américa vencedora e organizada, vivendo uma realidade quase ilusória e extremamente artificial. A sua condição subversiva vai revelando à medida que a loucura de Ed vai se desencadeando. No entanto, a loucura de Ed perspassa a trivialidade; em termos mais claros, chega a ser uma loucura consciente. Afinal, das tantas qualidades maravilhosas dos filmes de Nicholas Ray, é sempre admirável à forma de como através das telas, imprimi olhares congruentes por divergentes perspectivas, como em Sangue Sobre a Neve (The Savage Innocents, 1960), faz tal alegoria no paralelo e nas relações entre os esquimos e o homem-civilizado/"moderno". Aqui, para Ed, no seu estado de "loucura" passa a enxergar o ensino escolar de modo totalmente diferente, transformando os alunos em meros "anões morais".

A metamorfose do personagem é realizada de forma não menos que genial. Ao mesmo tempo crasso e pontual, súbito e formal, cada sintôma é explorado impecávelmente. A desordem psíquica (decorrente de uma consequencia quimica neste caso), serve como catalisador para um personagem que passa a ver a vida com outros olhos. Determinante, passa a desprezar a postura insipida do status quo social, mas que em transtornos tetrapolares, oras sente desamparo e medo, que como dito por ele, atinge-se de modo muito mais impactante que a dor fisica. Tudo acentuado pela técnica perfeita da direção sensível e virtuosa de Ray - um dos mais geniais e esfuziantes criadores de mise-en-scene do Cinema; que no breve inicio (e desde já, auge) do Cinemascope, usou como ninguém as angulares amplas e benevolentes que tal recurso possibilitava. Sem precisar ajustar novos planos para diferentes quadros, o efeito de anamorfose o permitia escorar mais objetos em cena e posicionamentos mais ousados de camêra (e também mais movimentação em cena, já que a camêra alcançava mais espaço do que o usual), de tal forma que o enfoque estético só complementava o oficio narrativo. Ed, sua confiança exacerbada e soberania perspicaz em contra-plongée, e seu imponencia penetrante e acuadora no jogo de luzes e sombras permanece como uma das cenas mais poderosas da filmografia de Ray, na cena em que ele entrega um problema matemático para seu filho fazer.

Insinuante e furioso - alguem que perdeu amigos, mulheres (uma cujo flagrou durante relação sexual com o próprio filho menor de idade) e teve a vida enxurrada por escadalos envolvendo adultérios de toda parte homossexualismo e etc... -, conseguiu ainda realizar um poderoso filme e pouco prosaíco (que consegue ser uma proeza). A intersecção que ata real e ficção entra em suma por aqui mesmo, em uma realização artistica das mais ricas e substanciais.















sexta-feira, 1 de junho de 2012

Cassino (1995) - Martin Scorsese



De toda forma, a força do cinema de Martin Scorsese sempre residiu na densidade de sua matéria intrinseca. É claro que em um plano geral que envolve a concepção, análise e até mesmo resistência de uma obra cinematografica ante o tempo, sintomaticamente entra em pauta (normalmente em situações conscientes) toda a minuciosidade que envolve a sua realização, para ser mais claro, a erudição de todos os processos cinematográficos. No caso de Scorsese, a massa densa (e até um tanto romântica) e técnica em processo nos anos 70, experimentos estéticos e narrativos radicais na década 80, se aventurando com apuro e dominío total dentre genêros e temáticas diversas nos anos 90, e de certa forma, se desencontrando nos seus filmes da última década, quase sem excessão, produções plásticas e estéticamente exacerbadas, contudo, pouco possantes se equiparados com suas maiores obras de outrora; e mesmo com uma filmografia que já ultrapassa 40 anos, e um portfólio vasto e diversificado, Scorsese não parece caminhar de forma ciclica, sempre buscando e desbravando mais e mais, nunca filmando à esmo.

Com Cassino (Casino, 1995), Scorsese atinge o antro da sua obra. O filme que amplifica, recicla, adiciona e extrapola muitos dos elementos que já havia explorado em outros filmes. Em 1990, saia Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990), um encontro antológico de formas e conteúdo, repleto de inventividades e releituras, resultando em um filme singular. A sua narrativa composta por um requinte quase inigualável: a estrutura naturalista, o enredo de recortes, subtramas aleatórias e por vezes desconexas, tonalidades impares para cada ato, narração-em-off liríca e documental, e desprendimento completo quanto ao intrincado, um grande e panorâmico retrato da máfia durante três décadas, edificada por fragmentos por vezes isolados que vão ganhando corpo e importância em momentos inesperados, se entregando ao imprevisível e encharcando com pouco caso e ar caótico as surpresas e situações extraordinárias do filme. A duração de 145 minutos é alongada para 178, seguindo uma fórmula parecida (em uma cenário distinto).

O foco nas inter-relações, nas regras do crime organizado, na ambientação, dentre outros, ainda permancem em Cassino. O filme se passa nos anos 70 em Las Vegas, contando a história especialmente de três personagens. Sam 'Ace', um funcionário de cassino que supervisiona o local para manter a retidão 24 horas, por meios muitas vezes violentos (Robert De Niro em mais um trabalho excepicional e sensível), Ginger McKenna (em um trabalho que rendeu uma indicação ao Oscar para Sharon Stone) que interpreta uma prostitura muito respeitada de Las Vegas, que vaga entre cassinos dando golpes e aplicando esquemas, sendo uma grande jogadora de aura dúbia e caráter duvidoso. E por fim, Nicky Santoro (Joe Pesci, quase repetindo o papel de Tommy de Os Bons Companheiros), um gangster de temperamento explosivo, amigo de infância de Sam, lider de uma organização criminosa que rouba cassinos.

Como já dito, Cassino é um filme excedente. Degradação, perdição, algo sempre presente na obra de Scorsese é elevado ao pico. A fúria e a solidão de Travis em Taxi Driver (idem, 1976), o caráter violento e auto-destrutivo de Jake La Motta em Touro Indomável (Raging Bull, 1980) a noite e também pesadelo de Paul em Depois de Horas (After Hours, 1985), o amor proibido de Newland em A Época da Inocência (The Age of Innocence, 1993), e alguns exemplos a mais existentes nos filmes do diretor (e mestre) reproduzem bem a forma de como seus personagens usualmente entram em decomposição no misto de seus sentimentos e nas formas constitucionadas em seus meios. Todavia, nenhum filme do diretor demonstra de forma mais pungente esse fenômeno, do que Cassino. Que o faz com o amor incondicional e cego de Sam por Ginger (uma femme fatale das mais mortais do Cinema) - que gradativamente o leva ao abismo. Afinal, o personagem de Robert De Niro (independente de suas virtudes caricaturais e sua indole tanto imoral) passa o filme todo fazendo de tudo para que Ginger se apaixone por ele da forma como ele o faz. O modo como Scorsese exala isso através de Sam é (na minha opinião) a qualidade maior de Cassino. O jeito brucutu e mas passional como Sam se declara constantemente à Ginger (além de à banhar de jóias e dinheiro) é uma das coisas mais doce-amargas na obra do mestre em geral. À ponto que esse enredo de forma unitária é tão ou mais importante que o retrato violento de Las Vegas e etc nesse paralelo - ainda que rotular o filme como uma história de amor ou algo parecido é ir longe demais.

A violência nunca compareceu por um grafismo tão pesado como por aqui. Algo já prenunciado em um plano-sequencia que dá lugar no começo do filme (tal amostra que atesta os absurdos estéticos de Cassino). O mesmo, pelas camêras - tão angulares que remetem à aquelas camêras imax da Nasa (ainda que não sejam realmente) -, surge de uma montanha e depois passeia rapidamente pela imensidão brilhante de Las Vegas, logo depois avançando ao deserto, onde os tratos são resolvidos e corpos são enterrados. O efeito é obvio e denuncia o quão perto e iminente são as luzes brilhantes e sedutoras de Vegas e os acordos corruptos que por lá residem. Com muitos elementos do movimento noir presentes.

"Porque filmar uma história de 3 horas sobre gangsters e a máfia de Las Vegas nos anos 70? Eu mesmo não saberia responder."


Isso foi algo dito pelo próprio Scorsese. Mas a verdade é que Cassino certamente não se limita a isso. Neste vai-e-vem, vale lembrar que Cassino é um filme sem tanto frescor, ambição acadêmica ou cerne tão expositiva, o mote seja própriamente e estreitamente narrar uma história de forma autoral e auto-indulgente. Indo além, Cassino é sobre o impacto que o ambiente exerce sobre os envolvidos, fadados à tragédia - aliás, poucas vezes o recurso do in medias res foi utilizado de forma tão poética e sábia como neste, tal ferramenta justamente que quando mal usada pode acabar com todo um filme, surtindo uma experiencia estéril e de expectativas pouco subvertidas. No olhar a primeira vista de Sam sobre Ginger - olhar dele, seu e meu -, ala contos de fada do baixo escalão, o antro e a sintetização de sua personagem são imediatas - sua avareza, frieza e deboche se entregam naqueles breves planos subjetivos. Quando em Os Bons Companheiros, Scorsese filma o ato final com ares de medo, paranoia e desamparo, algo parecido ele o faz em Cassino, no entanto direciona todo o caos ao coração destroçado de Sam, a sua indignação e tragédia, algo singular na obra do mestre, quase como um Cassavetes.

Em suma, é o filme extrapolador de Scorsese. Um dos mais longos, o mais violento e talvez o mais melancólico dentre todos. Um apanhado generalizado de estilos estéticos e diegéticos para culminar uma longa e nebulosa história de destruição (para todos os lados). Se hoje em dia Scorsese encharca seus filmes de exuberancias estilisticas (ao menos ele se livrou dos deploráveis interludios coloridos pontuados em Cabo do Medo e A Época da Inocência), ele parece ter abdicado um pouco dos elementos epicentrais que encantaram e ainda encantam tantas gerações de cinéfilos apaixonados, toda aquela força e densidade única e vibrante, poder sensorial absoluto. Mas é claro que de vez em outra podemos revisitar suas grandes obras, e para quem ama, Cassino sempre estara aí como exemplo poderoso do poder arrebatador de um dos maiores cineastas de toda história.

8,0/10



























terça-feira, 22 de maio de 2012

Faster, Pussycat! Kill! Kill! (1965) - Russ Meyer



Com tantos filmes denotando violência, um dos únicos - e melhores -, que atam os rótulos de "filme de violência" e "filme sobre violência" seja este aqui. Mas por aqui, a violência está presente em varias formas diversas; na perversão em geral. De socos e chutes à insultos e ganância, não que nada disso não havia sido reproduzido antes, mas com quase toda certeza, não haviam sido feitos como este aqui. Violência por raiva, por dinheiro, por vontade, sexo ou diversão. Na imensidão dos desertos da California, basicamente seis personagens e suas motivações dançam como marionentes às condições dispostas por Meyer, tudo ao que leve ao ato mais tratado do filme, para escorar violencia em altas doses e mais do que isso, tratar sobre ela.

A história não poderia ser mais delinquente: três amigas strippers correndo pelos desertos californianos em carrões esportivos encontram um casal e então decidem então apostar um racha contra eles, que após o fim ganha desfechos trágicos, as garotas acabam matando o rapaz e sequestrando a garota. Logo, elas elaboram uma história e guardam a garota amordaçada em dos carros. Quando precisam parar em um posto de gasolina, conhecem um velhote deficiente em uma cadeira de rodas que guarda uma fortuna, e decidem então de alguma forma atrair e manipular o velho e seus dois filhos, sendo que um é deficiente mental. Á partir desta premissa sórdida - embalada de mortes, velocidade e sexploitation -, mais do que a própria edificação da história, um interessante estudo sobre a violencia toma lugar.

A própria história indigente é abordada de modo que nunca fora antes. Independente da própria temática do filme e tudo mais, poucos filmes foram tão inventivos na própria arrumação geral na forma como a história seria apresentada. O filme chega a ser farroupilha e marginal, pois a violência retratada é totalmente verossímil e cotidiana. Ao ponto que toda a perversão incorporada nos personagens chega a ser universal. O atrevimento de Meyers não é menos que sensacional. O sangue, as cenas de velocidade, de violência/morte e sexo são banhadas por surf rock, frases de efeito, mulheres de seios gigantescos esbanjando sensualidade, amoralidade e humor negro - falar que influenciou Tarantino, Rodriguez, Ritchie e afins é chover no molhado. Dentre todos os personagens do filme, o único não se mostra familiarizado com toda aquela amoralidade ao seu redor - até de seu próprio pai, que o usa de toda forma quando precisa -, é o filho demente do velhote, obviamente devido á sua condição, que não o permite o entedimento básico da vida, sendo movido pelas pessoas mais presentes em seu cotidiano, e destinado à atividades puramente fisicas - até que uma das principais cernes do filme acerca de sua figura nos jogam desfechos e transformações abruptas e excepicionais.

Meyer torna a platéia intima com os atos brutais do filme, até que então tudo é exposto à niveis extrapoladores; conforme a trama evolui, personagens vão sendo mortos como animais em tela, dando tom de critica social. A história vai alçando novos objetivos e trabalhando nos personagens em um meticuloso e inteligente processo de catarse. E é interessante que até certo ponto do filme - mesmo nunca se encaixando como uma comédia, aliás, não sendo nem mesmo filme de genêro -, tudo ali é apenas uma história quase sem mote, de uma presença quase estéril, servindo só como entretenimento barato e fanfarrão. E só mesmo no ato final, que o filme realmente ganha um clima conclusivo - não sendo menos ficção barata. As atuações são exageradas e toscas, por expressões caricaturais e exclamações exacerbadas, os dialogos vagam entre piadas sexuais e gritarias abruptas e constantes; além do mais, toda a composição imagética é puramente kitsch, as figurações de personagens, os carros, tudo é deliberadamente elaborado para o intuito da realização - e conscientização da platéia -, que tudo se trata de uma encenação, um filme farsesco e vagabundo.

O discernimento entre as figuras do filme estão bem distinstas. Ora uma personagem fala indiferentemente: "Porque você não a mata?" e outra, em outro momento diz: "Oh meu Deus, matei uma pessoa, matei-a como não fosse humana!". A violenta apresentada de forma estilizada passa disso a um ato de sobrevivência em certa hora no filme, atestando que à cada segundo de projeção de tais modos fora sempre apresentado o lado obscuro da mente humana. Através dos anos, o que ficou bem viva foi a imensurável influência de FPKK no cinema contemporâneo, sintetizando de muitas formas muitos tipos aleatórios de Cinema que apenas buscam narrar histórias, reunidos para oficios até então desconhecidos - por meios também desconhecidos que culminaram (como já dito) em um "filme de violência e sobre violência". Em tempo real, um dos filmes mais obrigatórios e admiráveis do Cinema em geral.

8,5/10

















sexta-feira, 11 de maio de 2012

Gritos e Sussurros (1972) - Ingmar Bergman



Dentre tantos filmes de Ingmar Bergman, talvez aquele que melhor pontue a metonimia "filme de Bergman" seja este aqui, para logo se prestar como a sintese de sua filmografia. É muito dificil escrever um texto pra qualquer filme do diretor e não cair em redundâncias - dentre tantos conceitos e abordagens -, pois afinal, tanto já fora escrito e por tantos angulos seu cinema já foi abordado. Como usual, sua obra é de uma textura singular, como não se vê habitualmente; este aqui é um filme tão plástico - em todos os campos -, que podemos chamar o cineasta de esteta. Absurdamente intricado, cheio de artificios, abuso do poder da linguagem cinematografica - visual e diegética.

Para mecanizar toda encenação, o universo de Bergman limita-se em um só labirinto: repetitivo, constante, que se obstrui para dar vida à um só mundo, fechado para qualquer coisa, se torna uma evasão asfixiante e inaquada para qualquer personagem ou ser; um ambiente estreitamente mundano. É um subterfugio tortuoso, nillista, e toda a ambientação restrige-se a este universo em pouco espaço, cujo tempo segue sem escape - daonde nascem quase todos os conflitos do filme. Algo como feito posteriormente - por outra ótica tão autoral e distinta -, por Abel Ferrara em Enigma do Poder (New Rose Hotel, 1998). Em toda essa limitação, tudo se sufoca, se debate, se desencontra, tornando os personagens peças em um tabuleiro mortal, padecendo em condições intrinsecas aos mesmos, cuja as armas se tornam as mentiras, memórias, e o impacto de todos esses sentimentos perante o ambiente e o tempo sempre imparável.

O outro esqueleto do filme são as quatro personagens principais, sendo 3 irmãs e uma empregada, residindo invariavelmente no mesmo lugar - serei didático e breve -, são elas: Agnes (Harriet Andersson), a irmã enferma, em estado absolutamente terminal que passa o filme todo deitada em uma cama sentido as dores agonizantes de sua doença, Karin (Ingrid Thulin), irmã que se divide sempre na incognita de suas ações oras impetuosas oras tenras, Maria (Liv Ullmann) uma conotação - também enigmatica -, sempre parecendo reproduzir uma figura ambigua, entre ações 'impuras' e as vezes sentimentais, parciais, e a empregada Anna (Kari Sylwan), que passa o tempo cuidando de Agnes e preenchendo as vontades das irmãs Karin e Maria.

Cada elemento do filme recebe com tratamento parcial numerosos niveis de obliquidades. Tornando-se, é claro, um filme complexo e presente para as mais diversas desmitificações. A atmosfera criada por Bergman é meticulosa e quase plastica; só para reforçar, repito que isso é empregado em todos os sentidos. A estética se complementa entre os sons e quadros. A trilha sonora por exemplo, não se baseia apenas em temas incidentais previamente compostos, mas também em sons propriamente narrativos e deliberados; pontuados sempre no tique-taque continuo dos relogios, no vento sempre uivando, nos sons destacados da respiração dos personagens. E a fotografia é composta na instauração de poucas cores - dando um efeito de que o todo, é artificial -, dando sempre tons metaforicos e prolongados, afetando a retina do espectador, como o vermelho - presente à praticamente quase cada segundo em tela (até mesmo sendo a inerencia entre cenas), em formas variadas: roupas, cenários em geral. Transmitindo um efeito obvio e dúbio - que será comentado. Então logo quando o vermelho, preto e branco - esses dois ultimos como moldura -, saem de tela, a natureza toma seu lugar, transmitindo uma deliciosa sensação; quando finalmente a luz em tela vem do sol e não de abajures, velas ou lustres.

É o filme das conotações, tudo seguindo um fluxo de semi-surrealidade no qual é a situação das personagens. Novamente, trata-se de um universo deslocado, isolado, e agonizante; palco de uma infelicidade crível e palpavel, cujo a existencia se refrata no conflito da vida espiritual e mundana. Finalmente, aqueles corpos se encontram em um mundo artificial e oco. É um espiral de riqueza estéril, que apenas serve de crosta para a melancolia. Ambas essas formas - o mundano e espiritual -, então lá, incorporadas apropriadamente pelos unicos ambientes do filme: a casa e o jardim. Os próprios estados mentais - dos personagens -, denunciam o sentido devido do filme, de textura rica e oficio simplista - muito simplista. Completando o cerne de um filme de outrora do diretor - vide Morangos Silvestres (Smultronstället, 1957).

O vermelho - sempre em contraste com o branco -, deve transmitir os significados mais escancarados do filme - e no geral, deve ser a coisa mais escancarada e menos ilusória que Bergman já fez. É dual: o vermelho representa de forma mais evidente a presença da riqueza material da realeza na vida das personagens, cor exuberante que carrega consigo até certo escarnio; e em segundo lugar faz alegorias as impurezas dos personagens, reproduzindo sexualidade, desejo e acima de tudo perversão. Desconstruindo o bastião exterior cristalino que carregam as figuras femininas (mesmo que opressadas pelos maridos e pela sociedade da época) - e pessoas do alto escalão social; e isso ganha força em algumas cenas em destaque: como a cena em que Maria seduz o padre, ou quando a taça de vinho se quebra e um estilhaço de vidro se opõe ao vermelho do vinho sobre a mesa - coberta por uma toalha branca. Pois é assim mesmo que a imagem funciona no Cinema, como uma mensagem instantanea que inconscientemente trespassa o olhar do espectador, e de vez em outra, filmes como esse, acertam em cheio na sua utilização.

A concepção dos abstratismos e seus significados - algo costumeiro do diretor -, já são digno de admiração, que perspassam apenas as suas intenções, quando realmente se relevam em suas funções, se tornando puro brilhantismo, principalmente neste filme - cujo é o objetivo deste texto, fazer uma obra-prima como esta, ser admirada e respeitada como merece; todos os temas tratados por aqui são irradiados, se propagam em uma visão panorâmica e bela da própria vida - pronto, falei, por mais clichê que seja, estou mesmo apaixonado. Como dito, é um filme que ganha dimensões maiores que já tinha estabelecido à cada frame, que se transcende e não tem fim mesmo após o seu derradeiro - e lindo - final.

E eu podia fazer um texto de 20 paragrafos explicitando minha admiração passional pelo filme, a ponto que minhas palavras - e consequentemente meu texto -, se tornaria totalmente coloquial e inadequado. Enfim, é um filme para ser visto e revisto - e provavelmente ganharia mais dimensões ao ser feito. Também deve ser o filme que melhor sintetiza o Cinema de Ingmar Bergman - cujo algumas interpretações indicam que se trata de uma filmografia um tanto misantropa, e eu discordo totalmente. Um Cinema que caminha mesmo através da tristeza e infelicidade, mas no fim das contas sendo um libelo ao minimalismo da vida. Complexo, encantador, genial e apaixonante. Um dos melhores filmes já feito.

Nota 9,0























domingo, 29 de abril de 2012

Weekend à Francesa (1967) - Jean-Luc Godard



Não coincidentemente - pelo menos acreditando que Godard seja no minimo um pouco obsoleto -, sempre vemos que o cinema engajado do diretor e todas as suas amarras nascem e se tornam-se diretissimas a sociedade. O contexto e as formas com que seriam feitas não realmente importavam, mas foi assim que alguns de seus filmes mais conhecidos foram idealizados e posteriormente feitos. No seu olhar de tragédia em O Demonio Das Onze Horas (Pierrot le Fou, 1965), nas intenções intrinsecas de Alphaville (idem, 1965) por exemplo, todas geniais à sua forma; não seria nenhum absurdo afirmar - obviamente considerando que pra cada filme tem seus gosto -, todos esses filmes que ele fez acerca destes assuntos politicos e sociais são no minimo ótimos. E mesmo achando bobeira - e as vezes estupidez -, argumentar através de comparações, é só equipara-los ao cinema de massa feito hoje em dia. Na textura, na riqueza e na relevancia dos assuntos que ele gostava de abordar. E não só na intenção, mas também, é claro, por serem filmes muito bem realizados e autorais até o osso.

Mesmo abrindo todo um leque de interpretações e analises, Weekend à Francesa fala apenas sobre um casal - um tanto idiossincratico pra variar -, partindo em uma viagem até a casa dos pais da moça quando no caminho, conforme anuncia a antológica cena do transito na rodovia, o universo - talvez o mais inesquecivel criado pelo diretor -, é surreal e caótico. E a genialidade nasce aí, no atestado que o estado bizarro do ambiente ser nada mais do que consequencia da ação das pessoas que lá habitam. Sintomas da sociedade classes. Mas não é fácil assim, Godard como sempre não é uma metralhadora inconsciente, ele debate e busca reação, quando não se contem em ir discutir sobre a origem das condições atuais, e das origens - por mais longinquas que sejam -, do status quo.

Diante de tantas experimentações - embora qualquer dadaísmo só pode ser pressuposto -, é essencial que para o filme funcionar, seja colocada em pauta uma discussão sobre as condições institucionadas, para que então seja entendida as caracteristicas da ambientação atual. Diferentemente de seus filmes mais liricos - nos quais os focos são sobre os personagens -, este aqui é um filme muito mais experimental e diegético - quase um Buñuel. É um filme onde discursos e falas tomam lugar. Não tanto sobre os personagens, seus sentimentos e afins -  justamente o expoente máximo do diretor (O Demonio das Onze Horas) foi o misto perfeito entre ambos os elementos.

O personagem do filme é o mundo de Godard. É a ele que se cabem as analizes e luzes. É um universo de absurdos e completo caos - que não chega a realmente ser uma denotação de surrealidade, já que não apresenta cacoetes fantasiosos. Embora seja indigesto e completamente utopico, é uma representação que se baseia em um mundo de possibilidades, e no qual felizmente o Cinema dá espaço. Embora esta obra em especial seja produto de outros objetivos de Godard, ele não chega a se distanciar de suas outras obras em qualidade ou identidade. É um filme ousado, inovador e dentro de sua proposta, realmente perfeito. Afinal, ao que parece, seus filmes são sempre sobre as inequadações e aos anacrônicos, não? O que não o faz um filme "menos Godard".

Realmente, não é aqui que você encontra aqueles aspectos bem costumeiros do diretor que se tornaram bem conhecidos na raiz de sua filmografia, vide os jump cuts nas trilhas sonoras, ou os cenários brilhantes e exagerados, o eterno uso das canções, as desconstruções cronologicas e lineares - talvez o que mais remonte a isso seja mesmo os interludios visuais, que se valem como um prenuncio as proximas sequencias e convenhamos, que dão aquele charme, aquele perfume semi-tangível que permeia seus filmes.

Seria perfeitamente racional afirmar que Weekend à Francesa é um dos apices dentre as desbravações do Cinema. Mas toda essa estridencia generalizada talvez não valeria nada - ou valeria? -, se o filme não guardasse consigo uma mensagem final, e independente ou não se o faria, os resquicios palpaveis que ficam indicam mais que tudo o regresso do homem ao primitivo, do retorno ao zero da sociedade dos padrões e do consumo (por mais clichê que seja dizer isso) - esses são os mesmo que tornam a se alimentarem de si mesmo, à viver na mata, ao sexo apenas pelo ato, à violencia e o caos gerado pela irracionalidade. A mentira de Godard em 24 quadros por segundo.

Nota 9,0


















quinta-feira, 26 de abril de 2012

Hatari (1962) - Howard Hawks



Nos primeiros quadros de Hatari (idem, 1962), Howard Hawks já está a enquadrar lindos planos da Tanzânia - mais precisamente no leste africano -, são verdadeiras proteções de tela, colirio para os olhos; tudo fotografado pelas panorâmicas angulares de Hawks, ao passo que estamos no deleite dos planos visuais, vemos John Wayne na caçamba de uma caminhonete com alguns companheiros e uma moça, o genuíno cowboy americano, amado e idolatrado - aqui não menos machão -, está de boné, lenço na cabeça e colete caçando um rinoceronte em zig-zag o tentando enlaçar com uma corda pelo pescoço, conforme o faz, solta pérolas como "deve ser fêmea, não sabe para que lado vai"; apesar da surpresa e do entretenimento desse prenúncio, o que assusta mesmo viria depois com o atestado, é a habilidade incompáravel de Hawks de entreter com tanta facilidade, e isso é só o começo.

Até mais importante do que exaltar as qualidades individuais de Hatari - e o Cinema de Hawks em geral -, é ressaltar o quão importante sua existencia segue para o cinema hoje - em todos os genêros; e nem mesmo seria exagero afirmar que dentre tantos realizadores da época, Hawks segue como o mais influente para essa arte contemporânea; é evidente e quase tangível a forma como seus filmes travam dialogo direto com os de hoje, na dinamicidade das cenas, na acidez e inteligencia dos dialogos, no timming ágil e preciso tanto cômico e dramático, na naturalidade da composição das cenas e na evolução do cinema para o mais orgânico. E é claro, na sua solidez simplista na condução narrativa.

São 157 minutos de duração que passam voando - muito sinceramente falando -, não faltam momentos hilariantes, sequencias de ação impecáveis e dialogos sensacionais (afinal, mais do que tudo, Hatari é uma comédia/aventura). O ponto de partida é bem simples na verdade; é uma história sobre um grupo de caçadores na Africa, liderados por Sean Mercer (John Wayne), em uma empreitada na qual devem passar 3 meses no local para capturar certos animais para um zoologico em Los Angeles. Nesse paralelo, é contratada uma fotografa chamada Dallas (Elsa Martinelli, bom... sem comentários), e sua função nada mais é do que fotagrafar as capturas; mas a situação se complica mais do que o esperado quando ocorre uma abrupta aproximação - natural e involuntária -, da moça com os machões e com Sean, é claro.

É redundante, mas é simplesmente necessário comentar o quão impressionante é a capacidade do diretor em extrair o maximo de cada situação - algumas sensacionais -, de momentos aparentemente simples; habilidade essa que já dava ares em quase todos os seus filmes anteriores, quanto à comédia, mais notávelmente no seu clássico Jejum De Amor (His Girl Friday, 1940). Sua capacidade de surpreender, emocionar, fazer rir e mais que tudo entreter. Tudo á base do que há de mais puro no Cinema, seja até o que cinema mudo fazia. A mais crua intenção de divertir com bons personagens e situações. Quantas... quantas cenas inesquecíveis.  Não tem como não lembrar de Pockets (Red Buttons, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por Sayonara (idem, 1957), o ator brinca de atuar, e se encaixa como uma luva no papel. É um brincalhão, mulherengo, medroso e amigo rapaz, que é o principal alivio cômico do filme, e um dos mais encantadores personagens de todo o Cinema.

A verdade é que Hatari é um filme de machões, predominantemente masculino. Faz cena sobre tudo o que há acerca de bebibas, mulheres e violencia. E é neste ponto a personagem Dallas "Mom Elephant" atua, ela chega para desequilibrar essa condição - delicada, doce, linda, cheia de atitude e sensualissíma; em suma, ela derrete o coração do protagonista. Mas não é apenas nesse ponto que ela marca presença, ela fácil se adapta ao grupo de rapazes, e rapidamente surgem amizades - amizades essas muito bem trabalhadas no filme. É um filme sobre as relações entre os personagens na aventura.

É simples assim, mas o Cinema de Howard Hawks funciona mesmo pela emoção, seus filmes não são de mecanismos e engrenagens, complicações ou esquematizações, ele era apaixonado por eles, os narrava com pulso firme, mas com leveza e paciencia, como deve ser, no limite do passional. Esse conceito perspassa a tela para se conectar com o espectador, essa formula segue influente e talvez a maior prova disso seja o próprio Tarantino, influenciado diretamente pelo seu cinema tanto estéticamente quanto nas caracteristicas diegéticas - que apesar da pedância, breves egotrips e exuberancia enciclopédica de seu conhecimento, faz filmes porque gosta, é auto-indulgente e ousado. Não há nada mais simplista do que Hawks faz aqui - muito virtuosamente -, é apresentar um conto, uma aventura, e por fim, contar uma estória. Nos envolver nessa mentira, e ninguém parece fazer isso como ele.

Na verdade, o filme todo valeria a pena só por Elsa Martinelli vestida com aquela camisa social e gravata - apenas; mas ainda temos muito mais que isso. Afinal trata-se de um daqueles filmes que são a grande fuga, o grande escape. É a ficção composta por um dos grandes diretores de sua geração - mesmo em um periodo posterior ao seu ápice -,  e talvez seja o seu ultimo grande filme (que é muito melhor do que de muitos outros por aí em qualquer época). Passaram-se 50 anos desde Hatari, mas o tempo só o embelezou. Hatari segue completamente irresistivel.

Nota 9,0
























domingo, 15 de abril de 2012

Operação França (1971) - William Friedkin



Em certas épocas - felizmente - chegam aqueles filmes que deliberadamente ou não chegam para mudar, inovar e reler o que tem sido feito até então em seus respectivos genêros ou até mesmo no Cinema em geral. Operação França (The French Connection, 1971) é um deles. É um filme marginal, sua linguagem e estética são torpes, que não se adequavam no periodo de seu lançamento; e é interessante que a produção segue bem vital nos dias de hoje - pasme (tendo até mesmo ganho 5 prêmios da academia na época, incluindo Melhor Filme) -, e é um dos poucos filmes que mesmo tendo ousado tanto em sua época, nada, nem mesmo a censura o impediu de brilhar nesses tempos e até os dias de hoje.

A produção se trata da estória de dois detetives de Nova York: Jimmy 'Popeye' Doyle por Gene Hackman (que já havia estrelado o célebre Bonnie & Clide - Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967) e Buddy Russo (Roy Scheider) que juntos, lutam para abrir um caso e investigar uma rede de tráfego de entorpecentes e descobrem a Operação França. Enquanto por causa de casos passados e a reputação de Doyle por causa de investigações furadas e sua intuição falha, seu departamente tem dificuldade em acreditar e colaborar com ele. E nesse paralelo que segue o filme.

É interessante observar que no mesmo ano que Hackman e seu personagem cafajeste vieram as telas, Don Siegel também deu vida à um detetive igualmente grosseirão e icônico incorporado por Clint Eastwood, o policial Harry Callahan de O Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971). Mas mesmo assim, hoje em dia - embora ambos os filmes tenham seus admiradores -, percebe-se que a superioridade de Operação França manteve o filme muito mais cultuado e influente para o Cinema hoje em dia. Mesmo que o personagem de Eastwood tenha gerado tantas sequencias.

Talvez o realismo de Operação França se deva ao fato que o roteiro de Ernest Tidyman é baseado em um romance de Robin Moore, que é baseado em fatos reais. Inclusive, deve-se destacar que os policiais nos quais se inspiram os personagens do filme de Friedkin fazem uma breve ponta no filme como supervisores da policia - seus nomes reais são Eddie Egan e Sonny Grosso. E se isso for verdade - quanto ao motivo da representação crua do tema ao roteiro adaptado -, devemos ficar boquiabertos com a precisão que tudo é representado. A fotografia é composta por cenários sujos de Nova York - dentro e fora de locação -, temos boates imundas, ruas cheias de lixo, que coincidentemente ou não complementaram o clima frio e molhado da cidade. Algo que o próprio Friedkin veio a extrapolar de vez com o seu Parceiros da Noite (Cruising, 1980) com Al Pacino, que parece revelar sua fascinação com a vida no submundo.

Melhor ainda, é que em toda composição de planos, é evidente que Friedkin não busca esconder toda a poluição natural das locações, e parece compreender que isso, só faz o espectador mais chocado quanto a realidade imposta, e torna o filme muito mais envolvente. Toda a ambientação faz da platéia ainda mais familiarizada com a propria história narrada - com poucos adornos -, e essa formula segue forte hoje em dia. Indiretamente ou não, temos tudo isso no próprio cinema nacional com Cidade De Deus (idem, 2002) por exemplo.

E o realismo não é só grato ao mise-en-scene espetacular da cenografia, e também nas maravilhosas cenas de ação e a montagem perfeita da obra - que justificam facilmente os respectivos premios de Melhor Direção e Montagem. Poucos filmes - inclusive da época -, fizeram sequencias tão perfeitas de perseguição de carros como fez este aqui. O desenvolvimento dessas sequencias são icônicas e inovadoras - e um deleite para os olhos. São cortes ritmos e de simples composição, como a camêra colocada na ponta dianteira do carro - nos trazendo uma prisma praticamente em primeira pessoa dos desvios e raspões entre automoveis em alta velocidade, nos trazendo logo em seguida as reações de Hackman no volante e também planos estáticos e breves pra nos dar noção da colocação e não nos perdemos em meio ao que está acontecendo, e até mesmo, pra quem não sabe, grande parte dos acidentes do filme - não por acaso -, foram reais, e incluidos no processo de montagem. Muitos filmes atuais seguem essa construção de cena, dentre os mais sérios, vemos isto na trilogia Bourne com muita frequencia.

Mais uma inovação vem com a caracterização de Doyle - em um trabalho espetacular de Gene Hackman, que foi levado ao estrelato com o filme -, um policial mulherengo, preguiçoso e obstinado. Nós amamos ele, enquanto ele é um homem da lei que se envolve com strippers, vive jogando lixo nas ruas e é um beberrão nato. Mas vemos que sua indole está no lugar, afinal quando tudo parece perdido, sua utopia da busca dos bandidos segue em frente independente dos empecilhos.

E não é só isso, Operação França além de tudo, jamais subestima o espectador. Os espectadores mais passiveis facilmente se perderão no filme, perderão a noção de quem é quem e até mesmo o que está acontecendo. Pois á partir de quando os conflitos se revelam, o roteiro joga com muitos nomes e pistas, e a cada segundo, fatos importantes para a trama estão acontecendo. Então, o filme ata tudo isso à obrigatoriedade do espectador a seguer com atenção o enredo, pois haverão sempre momentos ala "devemos ir atrás de tal", "temos que achar tais evidencias" e tudo isso permanece do começo até o fim.

Sem dúvida alguma, Operação França entra fácil no cesto dos melhores policiais de todos os tempos. Pena que muitos filmes policiais de hoje se unem ao campo de soluções fáceis e a zona de conforto. De qualquer forma, Friedkin e sua fortaleza Operação França sempre nos lembrarão do contrário.




















sexta-feira, 13 de abril de 2012

Amantes (1984) - John Cassavetes



Correntes de amor. Cassavetes com Amantes (Love Streams, 1984) realizou um dos filmes mais realistas da história do Cinema. Trata-se de uma catarse, mas não daquelas exatamente shakespearianas ou que renderiam frases de Dickens; não é bonitinho, não é caricato, e seus 141 min de projeção não pregam exatamente alguma filosofia. Sua projeção apresenta nada mais que a verdade, dentre os filmes, talvez seja o filme que melhor representa a tragédia pessoal, não pela forma na qual é contextualizada, mas sim pelo realismo absoluto no qual nos é adiantado.

Não sei se é um absurdo se fustrar com Amantes; não é um filme acessível e também não é um filme de desdobramentos; em qualquer que seja a época, esse fato não muda, o publico acostumado com novela das oito ou com o formato do cinema popular dificilmente vai se adequar e muito mais dificilmente irá se conformar com o filme - que apesar de ter admiradores, é um filme pouco visto (mesmo tendo ganhado o Urso de Berlim no festival de 1984). É uma retratação crua das pessoas. É um filme que nos seus personagens representam as forças da vida - os problemas - e logo, suas consequencias fisicas e psicologicas.

Á principio, a narrativa é dual, se focando em dois personagens em especial: Sarah (Gena Rowlands, em uma atuação tão perfeita, que sintetiza a proposta do filme) uma mulher que se encontra em um processo de divórcio, ainda amando o marido e destruida pela decisão de sua filha preferir estar sob a custódia do pai. E Robert (pelo também diretor, John Cassavetes), um homem ala John Russo (personagem de Ben Gazzara em Muito Riso e Muita Alegria (They All Laughed, 1981), mulherengo, beberrão e galanteador, exceto pelo fato que é um homem quebrado, que em nenhuma vez em sua vida realmente conseguiu conviver com alguem - e ainda não consegue; e que na vida acha seu refúgio frágil e evidente nas bebibas e nas relações casuais efêmeras com mulheres - em casos, mantém relações simultâneas. Até que quase no segundo ato do filme, ambas as história se encontram, quando Sarah se hospeda na casa de Robert - são irmãos - e na medida que vão convivendo, tentam acertar suas vidas.

Ao que é dito - já que eu não tenho conhecimento da filmografia de Cassavetes -, Amantes abdica muito em sua maneira tradicional de rodar filmes - conhecido pelo uso da câmera em punho, causando um obvio efeito trêmulo nos planos -, aqui ele abusa de jump cuts - dando aquele ritmo frenético nas tomadas, que consiste em cortes abruptos de uma só ação (que por vezes é só erro na montagem) - e impondo uma estética mais ágil ao seu filme. Ainda que mesmo assim, o filme não se torna menos intimista e realista.

Nada em especial é anunciado até que o filme termine. A obrigação é mesmo acompanhar os 141 minutos - que foram editados para 122 pela distribuidora (ainda que pela internet possa-se achar a versão com a edição inteira e original) - e acompanhar a jornada dos personagens. Enquanto parecem se encontrarar, o filme é evasivo e traz das soluções mais transtornos, da bonância surgem apenas mais caminhos tortuosos . Por exemplo quando Robert começa a se relacionar com seu filho pequeno - em uma trama muito pouco racional ao que diz respeito à sua elaboração -, ou quando Sarah decide viajar. E a transmissão, mesmo após uma subtrama após a outra parece indicar que não há escapes; e mesmo quando os problemas são encarados de frente, nem sempre irão se resolver.

Assim como seus personagens, Cassavetes nem sempre é especialmente coeso ou abusa da lógica. É um filme narrado e transmitido, em suma, saturado por idiossincrasias - vale-se destacar que quase despidos de gestos afetivos ou grandes momentos de amor individualmente. E nesse passo, que Amantes faz de si mesmo tão nu ao que temos do seu caráter, e isso logo - como consequencia feliz - perspassa sua relação com a própria platéia que de testemunhas por trás da tela adentram tão profundamente a estória - algo muito parecido com os filmes de Iñárritu, que propõem uma intimidade tão mais complexa que o normal.

Mesmo sendo um filme tão sincero - e tão mais emotivo do que cabeça -, poucas são as pessoas que iriam se agradar com ele. Nem mesmo como a premissa parece indicar - ou possa-se imaginar -, Amantes não guarda consigo grandes debates verbais, tudo é a base das atitudes e comoções. Nada é mastigado o suficiente - inclusive o final -, para serem conceituados como uma verdade universal ou tomarem tons conclusivos. O seu estilo é decidido e pouco complacente, mas que se dane, afinal, quantos filmes são tão sensiveis como este?

Nota 6,0














terça-feira, 3 de abril de 2012

Musica e Fantasia (1976) - Bruno Bozzetto




Contém Spoilers


"É Hollywood, e estão furiosos, dizem que um tal de Prisney ou Grisney já fez isso antes"

Como a maioria das sátiras no Cinema - e em tudo -, o humor chega até ao escatalógico, aqui é empregado  de leve, mas será comentado. O alvo é Fantasia (idem, 1940), animação de Walt Disney cuja narrativa consistia no emprego de musica classica ao passo que exibia segmentos de curtas animados - assim a obra não seguia o preceito tradicional de seguir uma só linha narrativa. Musica e Fantasia é um arremedo cômico da obra de Walt Disney, mas que felizmente não chega a tão desrespeitar ou desrespeitar a obra em questão.

A parodia em análise possui 8 seguimentos - incluindo um breve prefácio não-animado e um epilogo. Assim como Fantasia, a montagem revesa turnos entre os curtas animados e cenas da orquestra - em Musica e Fantasia, fotografada em preto e branco; em Fantasia as cenas da orquestra são limitadas a tal ato - filmadas sob ilumação escura, no qual apenas pode-se ver quase que apenas vultos dos musicos e seus instrumentos, tocando a trilha sonora -, já em Musica e Fantasia, tal recurso é o alivio cômico do filme, não só apresentando a "orquestra" (que será comentada), mas como um todo, a produção em si da obra - com pequenos jogos metalinguisticos -, produção essa com três personagens principais: o narrador, o condutor da orquestra e o homem que vem a converter a musica da orquestra em desenhos que viriam a ser o filme. E à partir disso, situações humoristicas e satiricas dão o tom de paródia ao filme: a orquestra é um grupo de velhinhas, o interpretador artistico da musica que desenha é um bigodudo que passa o filme em trapalhadas e conflitos com o maestro gordo e inquieto, o produtor do filme passa por diversos contra-tempos e etc. É claro, todos os tais personagens são ficcionais - e todos esses supracitados acontecimentos se passam em uma ópera.

É curioso observar que em Fantasia, um dos ofícios do filme seria promover a volta do personagem Mickey Mouse - que estava em declinio na época; e neste aqui, não estamos familiarizados com personagem algum, tudo o que temos por aqui são criaturas bizarras e outras desconhecidas.

Tecnicamente, Musica e Fantasia é muito inferior ao filme de Walt Disney, enquanto o segundo é caprichado, cheio de detalhes e ainda mais fantasioso, Musica e Fantasia é mais relaxado - com contornos desleixados e cenarios vetoriais bem menos realistas (às vezes optando por fundos simplesmente preto ou branco), alguns parecendo até feitos de giz de cera; mas é muito possivel (alias, eu acredito) que tudo seja deliberado, apenas complementando sua atitude determinista de parodia de botequim.

Bruno Bozzetto - o omnipresente do filme - e seu roteiro - ele assina o mesmo (junto com Guido Manuli), também dirige e produz - não fogem ao preceito que Fantasia impõe, bem simples, cada segmento envolve um arco dramático, que assim como seu alvo de chacota, trabalha com elementos surrealistas. Os curtas são pequenos contos cheios de simbolismos e metaforas - algumas bem implicitas para os melhores entendedores - e também outros curtas apenas narram pequenas estórias - não necessáriamente envolvendo significados obliquos.

Como Fantasia, este aqui não pode ser - e não é - classificado como livre ao ser exibido, ambos os filmes denotam de temáticas impróprias e que requerem de mais maturidade para serem entendidas; como animações, esses filmes extrapolaram os padrões contemporâneos para o genêro infantil, principalmente se equiparados com as produções de mesma epoca. Em Fantasia, nudismo, morte e violencia são referenciados - mesmo que seja feito vetorialmente, continua impróprio -, e em Musica e Fantasia tudo é empregado de forma ainda mais forte - embora não tenha causado o mesmo impacto, considerando a época de lançamento de ambos os filmes.

O melhor curta como exemplo de Musica e Fantasia em relação ao assunto tratado acima seria o segmento no qual uma serpente oferece a fruta do conhecimento a Adão e Eva - fruta essa em forma de maçã -, que recusam, após isso, a serperte come a maçã ele mesmo sendo posteriormente exposto e transportado à um mundo de pecado, acerca de muita pornografia e propaganda. Quando retorna, a serpente cospe a maçã.

Consequentemente, a diferença entre os dois é patente, e são apenas logicas dada suas propostas; enquanto Fantasia é magico (cheio de poder sensorial) e contém o ritmo mais cadenciado, Musica e Fantasia é mais ágil e cômico. É de se admirar que Bozzetto não chegou a desrespeitar Fantasia - trata-se de uma tiração de barato, que de alguma forma interxtualiza a obra cinematografica para criar outra igualmente boa, com muita força criativa idem. Porque assim como Fantasia cria segmentos cheios de mitologias e significados, Musica e Fantasia também o faz e a chacota fica por conta do nucleo que envolve a produção; que na verdade, cá entre nós, cassoa bem mais a si mesmo do que a Fantasia.

Allegro ma non troppo é o nome de um andamento assim nomeado para indicar o passo ritmico a ser tocado aos músicos. Aqui em Musica e Fantasia (Allegro Non Troppo, o nome original em italiano), significa nesse contexto: "pense antes de agir", "vá devagar", sem a interjeição ma. Só para ressaltar novamente as traduções vergonhosas de titulos para filme no Brasil.

Um ponto em que ambas se assemelham - são igualmente poderosas -, são em suas trilhas sonoras, ambas riquissimas. Embora em Fantasia, os compositores serem mais conhecidos - Beethoven, Bach -, em Musica e Fantasia, o quesito não deve em nada, afinal, temos Vivaldi e Maurice Ravel. A formula é genial e bem reinventada por Musica e Fantasia, que iguala o nivel agradabilissimo que acompanha a projeção de Fantasia.

E deve-se observar que Musica e Fantasia é um dos pioneiros na tecnica do ato de retratar a interação do live action com seres animados, pra quem gosta, além deste um bom exemplo seria Uma Cilada Para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, 1988). Como no epilogo, Musica e Fantasia não deixa de zoar nem ao menos os finais felizes da Disney, representado pela queda grotesca do letreiro de "Happy End" sobre um personagem. Quase uma obra-prima.

Nota 7,0