sexta-feira, 11 de maio de 2012

Gritos e Sussurros (1972) - Ingmar Bergman



Dentre tantos filmes de Ingmar Bergman, talvez aquele que melhor pontue a metonimia "filme de Bergman" seja este aqui, para logo se prestar como a sintese de sua filmografia. É muito dificil escrever um texto pra qualquer filme do diretor e não cair em redundâncias - dentre tantos conceitos e abordagens -, pois afinal, tanto já fora escrito e por tantos angulos seu cinema já foi abordado. Como usual, sua obra é de uma textura singular, como não se vê habitualmente; este aqui é um filme tão plástico - em todos os campos -, que podemos chamar o cineasta de esteta. Absurdamente intricado, cheio de artificios, abuso do poder da linguagem cinematografica - visual e diegética.

Para mecanizar toda encenação, o universo de Bergman limita-se em um só labirinto: repetitivo, constante, que se obstrui para dar vida à um só mundo, fechado para qualquer coisa, se torna uma evasão asfixiante e inaquada para qualquer personagem ou ser; um ambiente estreitamente mundano. É um subterfugio tortuoso, nillista, e toda a ambientação restrige-se a este universo em pouco espaço, cujo tempo segue sem escape - daonde nascem quase todos os conflitos do filme. Algo como feito posteriormente - por outra ótica tão autoral e distinta -, por Abel Ferrara em Enigma do Poder (New Rose Hotel, 1998). Em toda essa limitação, tudo se sufoca, se debate, se desencontra, tornando os personagens peças em um tabuleiro mortal, padecendo em condições intrinsecas aos mesmos, cuja as armas se tornam as mentiras, memórias, e o impacto de todos esses sentimentos perante o ambiente e o tempo sempre imparável.

O outro esqueleto do filme são as quatro personagens principais, sendo 3 irmãs e uma empregada, residindo invariavelmente no mesmo lugar - serei didático e breve -, são elas: Agnes (Harriet Andersson), a irmã enferma, em estado absolutamente terminal que passa o filme todo deitada em uma cama sentido as dores agonizantes de sua doença, Karin (Ingrid Thulin), irmã que se divide sempre na incognita de suas ações oras impetuosas oras tenras, Maria (Liv Ullmann) uma conotação - também enigmatica -, sempre parecendo reproduzir uma figura ambigua, entre ações 'impuras' e as vezes sentimentais, parciais, e a empregada Anna (Kari Sylwan), que passa o tempo cuidando de Agnes e preenchendo as vontades das irmãs Karin e Maria.

Cada elemento do filme recebe com tratamento parcial numerosos niveis de obliquidades. Tornando-se, é claro, um filme complexo e presente para as mais diversas desmitificações. A atmosfera criada por Bergman é meticulosa e quase plastica; só para reforçar, repito que isso é empregado em todos os sentidos. A estética se complementa entre os sons e quadros. A trilha sonora por exemplo, não se baseia apenas em temas incidentais previamente compostos, mas também em sons propriamente narrativos e deliberados; pontuados sempre no tique-taque continuo dos relogios, no vento sempre uivando, nos sons destacados da respiração dos personagens. E a fotografia é composta na instauração de poucas cores - dando um efeito de que o todo, é artificial -, dando sempre tons metaforicos e prolongados, afetando a retina do espectador, como o vermelho - presente à praticamente quase cada segundo em tela (até mesmo sendo a inerencia entre cenas), em formas variadas: roupas, cenários em geral. Transmitindo um efeito obvio e dúbio - que será comentado. Então logo quando o vermelho, preto e branco - esses dois ultimos como moldura -, saem de tela, a natureza toma seu lugar, transmitindo uma deliciosa sensação; quando finalmente a luz em tela vem do sol e não de abajures, velas ou lustres.

É o filme das conotações, tudo seguindo um fluxo de semi-surrealidade no qual é a situação das personagens. Novamente, trata-se de um universo deslocado, isolado, e agonizante; palco de uma infelicidade crível e palpavel, cujo a existencia se refrata no conflito da vida espiritual e mundana. Finalmente, aqueles corpos se encontram em um mundo artificial e oco. É um espiral de riqueza estéril, que apenas serve de crosta para a melancolia. Ambas essas formas - o mundano e espiritual -, então lá, incorporadas apropriadamente pelos unicos ambientes do filme: a casa e o jardim. Os próprios estados mentais - dos personagens -, denunciam o sentido devido do filme, de textura rica e oficio simplista - muito simplista. Completando o cerne de um filme de outrora do diretor - vide Morangos Silvestres (Smultronstället, 1957).

O vermelho - sempre em contraste com o branco -, deve transmitir os significados mais escancarados do filme - e no geral, deve ser a coisa mais escancarada e menos ilusória que Bergman já fez. É dual: o vermelho representa de forma mais evidente a presença da riqueza material da realeza na vida das personagens, cor exuberante que carrega consigo até certo escarnio; e em segundo lugar faz alegorias as impurezas dos personagens, reproduzindo sexualidade, desejo e acima de tudo perversão. Desconstruindo o bastião exterior cristalino que carregam as figuras femininas (mesmo que opressadas pelos maridos e pela sociedade da época) - e pessoas do alto escalão social; e isso ganha força em algumas cenas em destaque: como a cena em que Maria seduz o padre, ou quando a taça de vinho se quebra e um estilhaço de vidro se opõe ao vermelho do vinho sobre a mesa - coberta por uma toalha branca. Pois é assim mesmo que a imagem funciona no Cinema, como uma mensagem instantanea que inconscientemente trespassa o olhar do espectador, e de vez em outra, filmes como esse, acertam em cheio na sua utilização.

A concepção dos abstratismos e seus significados - algo costumeiro do diretor -, já são digno de admiração, que perspassam apenas as suas intenções, quando realmente se relevam em suas funções, se tornando puro brilhantismo, principalmente neste filme - cujo é o objetivo deste texto, fazer uma obra-prima como esta, ser admirada e respeitada como merece; todos os temas tratados por aqui são irradiados, se propagam em uma visão panorâmica e bela da própria vida - pronto, falei, por mais clichê que seja, estou mesmo apaixonado. Como dito, é um filme que ganha dimensões maiores que já tinha estabelecido à cada frame, que se transcende e não tem fim mesmo após o seu derradeiro - e lindo - final.

E eu podia fazer um texto de 20 paragrafos explicitando minha admiração passional pelo filme, a ponto que minhas palavras - e consequentemente meu texto -, se tornaria totalmente coloquial e inadequado. Enfim, é um filme para ser visto e revisto - e provavelmente ganharia mais dimensões ao ser feito. Também deve ser o filme que melhor sintetiza o Cinema de Ingmar Bergman - cujo algumas interpretações indicam que se trata de uma filmografia um tanto misantropa, e eu discordo totalmente. Um Cinema que caminha mesmo através da tristeza e infelicidade, mas no fim das contas sendo um libelo ao minimalismo da vida. Complexo, encantador, genial e apaixonante. Um dos melhores filmes já feito.

Nota 9,0























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