quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A Invasora (2007) - Alexandre Bustillo, Julien Maury



É notável já, a subversão do gore no inicio, quando em um acidente de carro, o choque entre dois automóveis causa a morte de um homem, pai do bebê ainda dentro do ventre da mãe, enquanto a mesma sangrando, após a colisão, acaricia em sua barriga; há sanguinolência, fumaça, chuva e muita carga dramática, mas a escatalogia é "contida" na tragédia do momento, e em ferimentos compreendidos e moderados primeiramente, como já dito, na atmosfera sensível cuja câmera que potencializa os elementos que enternecem, novamente, a tragédia do ato e na noção inteligente de economia de ação e grafismo para o que está por vir.

Descarta-se o lúdico, e como torna-se evidente nos quinze minutos iniciais, o isolamento e o silêncio vão à pouco - e só aparentemente - corrompendo o genêro, ainda que levemente condizente à sua promessa, com a cena do vômito, por exemplo. Mas a dupla de diretores [Alexandre Bustillo e Julien Maury, os mesmos responsáveis pelo também excelente Livide (idem, 2011)] sabiam bem o que estavam fazendo. A intenção e consequente êxito em tornar o ambiente desagrádavel é latente, e sem dificuldades o terreno é fertilizado gradativamente com o efeito claustrofobico dos planos e com a presença calculada dos personagens que são introduzidos - a mãe e o chefe da protagonista. No entanto, enquanto o filme supracitado abraça o lado mítico e sobrenatural da coisa, A Invasora finca toda sua simulação truculenta no que há de mais crível na exibição de visceras e na forma abjeta e excruciante como é feita - o uso dos efeitos sonoros são especialmente bons - a realidade ganhando solidez na brutalidade descabida, se tornando num jogo de resta-um.

A ênfase é constante para dar a entender que A Invasora é muito mais O Segredo do Bosque dos Sonhos (Non Si Sevizia un Paperino, 1972) do que Terror nas Trevas (E tu vivrai nel terrore - L'aldilà, 1981) por exemplo. E que a teatralização que beira o lazer de A Morte do Demônio (Evil Dead, 1981) é jogada de lado à cada de segundo em tela. O fantasma do filme que vai ganhado traços - logo mais, formas e movimento - é interpretado pela atriz francesa Béatrice Dalle, o que é uma escolha perfeita. Trata-se da mesma femme-fatale idílica de Blackout (idem, 1997) de Abel Ferrara. A atriz de características assimétricas e distintas, com idade já avançada encarna uma vilã sem nome - vilã, que aliás, soa muito bobo. E o faz sem margens de erro, além do trabalho fisíco louvável, sua presença em tela, flutuando com seu vestido comprido através do breu, envolvendo e massacrando suas vitimas é simplesmente impressionante de ver, suprindo a responsabilidade de unicidade maligna que representa em um filme gore, e estando no mesmo ambiente como força destruidora o tempo inteiro, assim como Alysson Paradis (que interpreta a protagonista Sarah, a mulher grávida) que não realiza um trabalho menor, representando muito bem a evolução gradual de sua personagem no caminho a se tornar igualmente uma ameaça sem escrúpulos, vertendo seu ardor em poderes que desconhecia ter.

Inverso aos filmes mais dimensionais do genêro - falando em ambientes, é claro - não se trata de dilatações espaciais, mas da invasão deles. Artifício que denota de dois desdobramentos chave: o interno e o externo, fisicamente as suas barreiras e limitações. Afinal, cênicamente nada é mais classico do que a repartição entre vilão e vitima separados únicamente por uma porta trancada - jogada narrativa das mais conhecidas para causar tensão (com a manipulação devida de ação e tempo) - no caso, com a incapacidade da vilã durante boa parte do tempo por carecer de um machado ou equipamento melhor. Tornando assim, como em todo filme de caça e caçador, a casa, o cenário singular de perseguição. Os ambientes dispostos em interiores, sendo assim: exterior, casa, comôdos e porque não, o ventre da mãe. Onde tudo que ali adentra, é absolvido na carneficina da viuva-negra. À ponto que as únicas eventualidades de encontro resultará em conflito, tão certo quanto o sangue dos confrontos, e na condição de campo de batalha que se estabelece, todo e qualquer utensílio caseiro é manualmente usado como arma letal perante aos corpos já envoltos no universo confinado não tão seguro. Além do recurso imagético muito sabiamente usado de fogo e luz pelos competentes diretores - destacadamente nas cenas em que a invasora acende um cigarro - bem como o uso da eletricidade. Tensão e realismo que excluem a banalidade de filmes como Jogos Mortais (Saw, 2004), suas cópias infelizes e continuações.

O terço final de A Invasora evidencia muito do que antes parecia inexplicável, e para dizer ao realmente veio. A invasora, síntese angular do filme, que no fim das contas não é à prova de balas, e que de viuva-negra ganha novas personificações - em uma metamorfose inesperada de impulsos e motivações - para uma espécie ainda mais vil e mortal, cuja peçonha é a maldade racionalizada, sinistra e mecanizada através de cruamente, a violência de forma mais brutal, a mesma que acompanhamos em todo seu decorrer rumo a um dos desfechos mais aterradores do cinema. 

9/10













Um comentário:

  1. luquinha seus comentarios são originais e simplesmente audaciosos,um verdadeiro show de conhecimentos. parabens e continue. eduardo cardozo

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