quinta-feira, 12 de junho de 2014

Baionetas Caladas (1951) - Samuel Fuller



A guerra sempre foi um tema amplamente explorado no cinema, o que não faltam são grandes filmes. Este é, antes de tudo, um filme de Samuel Fuller.  Isto é, uma cruzada potente, de realidades e emoções. Os personagens quase sempre são mais importantes, são os verdadeiros portais para entendermos melhor todo o resto. Se a guerra é uma coisa confusa, para os personagens ela é assim ainda mais confusa, são colocados a prova todo instante nas circunstâncias mais complexas e imediatas, os seus destinos - e o destino de tudo - raramente estão em seus controles, mas a jornada é dolorosamente necessária (e assim vem na cabeça a maior parte da obra de Fuller), para chegar a catarse.

Em Baionetas Caladas (Fixed Bayonets, 1951), ninguém está realmente em comando, aliás, ninguém deseja o comando. O esquadrão de soldados está desde o início fadado a renunciação de qualquer estado de controle. Ser o comandante é ter o poder de organização, estratégia e autoridade hierarca sobre o resto do soldados, e ao mesmo tempo, o peso infindável de sobrevivência, de todos, e de si. Porém, pela conjuntura natural das coisas, isto é um mal necessário, e a fragilidade da sobrevivência é um fardo para todos. O protagonista Cpt Denno tem plena consciência disso, mas como já sabemos, ele não é dono de seu destino. Como em Capacete de Aço (The Steel Helmet, 1951), também de Fuller, produzido pouco antes, Fuller dedicou esta obra à infantaria americana. O olhar do diretor é direcionado a eles em ambos os filmes, em situações bem parecidas - no campo ativo da guerra. Os motivos que ocasionam as guerras, ou outros tipos de debates ideológicos não são focos, estamos de olho desta vez para o mais perto possível dos seus participantes do mais baixo escalão, e as questões não são nem um pouco menos complexas.

Através de conflitos de grande força emocional e psicológica - retratadas com muita sutileza e autenticidade, méritos primordiais por quais Fuller é conhecido -, os elementos em volta da narrativa são problematizados e expostos com precisão. E não são poucos. O que faz um homem participar de uma guerra é uma questão com inúmeras respostas, se está questão não é respondida (mesmo sendo feita literalmente, por um dos personagens para outro, que não sabe responder), ela é confrontada. Os problemas políticos que geram a guerra perdem dimensão e quase desaparecem no campo de batalha diante das questões existenciais. A realidade da guerra, para quem a vive na pele, é a efetivação das maiores tragédias imagináveis - e a única glória que se transparece súbita é a da sobrevivência. Os atos de bravura e coragem estão sempre escoltados de calamidades, quando o inimigo se aproxima, se revela humano, não é fácil puxar o gatilho. 

Em um melhores momentos de Baionetas Caladas, e com certeza o mais simbólico, os soldados americanos em seu abrigo, escutam de longe o som do instrumento de sopro dos soldados coreanos. Um dos soldados murmura a melodia simultaneamente, e em seguida reconhece a semelhança com a música utilizada entre os próprios americanos em ambiente de guerra. De toda forma, o que segue pouco depois é conflito. As questões de etnia são recorrentes na filmografia de Fuller, em Capacete de Aço, o cerne da narrativa são as relações étnicas no campo de batalha, neste aqui, o tema também é visualizado, a infantaria americana possui asiáticos, negros e brancos, todos tornam-se uma identidade homogênia.

O estilo naturalista de Fuller se faz valer mais do que nunca, não há glamour, não se saber quem vai viver até o final, as mortes são repentinas e secas, o diretor não nos poupa da violência, o sangue não aparece, mas há sempre a agonia dos moribundos, em explosões os membros desmembrados, os corpos cobertos por gelo. A mise-en-scène é muito bem composta (inclusive com um plano-sequencia no inicio), gerando algumas belas cenas - como a da mina -, que me lembraram a habilidade do diretor com os elementos de tensão, os close-ups característicos, o humor sutil, as panorâmicas dentro do grupo de soldados, todos tem seu momento, os relatos de sonhos e expectativas do futuro com a angustia da sobrevivência, esta delicadeza, ao lado da explosão que acaba cedendo ocasionalmente entre os próprios companheiros. Fuller infiltra um meio de incertezas e dúvidas, e se não extrai respostas (e esse não é o objetivo), oferece humanidade.

8/10















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