terça-feira, 21 de abril de 2015

Hacker (2015) - Michael Mann



Parece até uma adaptação de um conto cyberpunk, mas não é. Dirigido, produzido, e co-escrito por Michael Mann, Hacker é um filme de hoje, deste momento. Como o próprio explicou, Hacker não retrata uma realidade passada "recente", um reflexo retrospectivo, tampouco futurístico, embora esteja olhando para lá. É importante para Mann moldurar o momento, do macro até o micro. Bem lá do alto, o conjunto exuberante de luzes da metrópole, com ruídos eletrônicos e trechos de comunicações. Depois, dentro de um mundo inacessível a nossa visão, dos sistemas internos e circuitos elétricos de computadores, processadores por onde passam correntes elétricas. Tudo representado através desta mesma tecnologia. E é só depois disso que começamos a ser apresentados á estória, com um incidente envolvendo a explosão de uma torre de energia em uma usina nuclear, causada por um vírus que invadiu o sistema de computadores da estação. O seguinte universo é o mais próximo de nós, com a câmera passeando por uma cela contendo objetos pessoais - livros, fotos -, e onde reside o protagonista, um detento, que como outros personagens distintos da filmografia de Mann, obscuramente se desvela, predominantemente na sua existência presencial, nas suas ações instantâneas.

A trama de Hacker foi inspirada por um evento real, no qual uma usina nuclear no Irã foi hackeada por um novo vírus, causando danos em uma das centrifugas da usina. É o universo de existência dos blackhats, hackers, programadores, especialistas em códigos que podem invadir redes com objetivos diversos, como manipular e roubar informações; das nações com exércitos do ciberespaço, guerras de informação nas redes, espionagem pessoal, corporativa e industrial, vigilância integral e onipresente, big data, fluxos invisíveis de informação e dinheiro, dromocracia tecnológica, etc. Um cenário onde há sempre uma presença escondida no extracampo rastreando e mantendo sob controle o indivíduo, mais vulnerável do que nunca.  É clara a importância, em Hacker, em capturar e adentrar este zeitgeist, explora-lo de diversas formas possíveis, e tornar-se parte disto, como uma das formas. Por isso, em vários momentos, o filme entrega-se aos recursos tecnológicos disponíveis e os integra em sua linguagem. O trabalho de Mann no digital não é novidade - afinal, ele se adiantou neste aspecto há mais de uma década -, e neste ele ainda vai além, com uso amplo de efeitos especiais - chegando à sequências inteiras. Abraçando a variação de perspectivas, na mutação de aspectos da imagem evidenciando seu caráter digital, imperceptivelmente cortando do enquadramento real para a imagem da câmera de vigilância.

Além do snapshot, de voar ao redor dos centros urbanos mais modernos e brilhantes do mundo, dos arranha céus gigantescos, que refletem o atual estágio da civilização (ao menos, uma parte desta), como estivesse dizendo "Isto é agora!", Hacker está à margem do tempo, é em boa parte "o de sempre", assim como outros filmes excepcionais que se lançaram aos mesmos objetivos não muito tempo atrás: Espionagem Na Rede, Enigma do Poder, etc. Estes filmes não se tratam apenas do envolvimento de indivíduos em tramas internacionais, conspirações, grandes emaranhados de desdobramentos complexos; eles contemplam todos os temas mais humanos: paixão, desejo, sexo, traição. As realidades virtuais e os objetos sintéticos a todo tempo encaram-se com o mundo físico e orgânico. No meio de tudo isso, os personagens vão em busca de seus objetivos: sobrevivência, amor, paz, autonomia, se forem possíveis. E nestes aspectos, é claro, estamos vendo qualquer filme da obra de Mann. Presenciando a mesma dinâmica, urgência, e tantas outras qualidades que levam a muitos credita-lo como autor. Os tiroteios carregados de realismo e dramaticidade, compostos esculturalmente; a humanidade dos personagens revelando-se de maneiras tão naturais e singelas, desde os principais aos mais periféricos, há sempre uma forte dimensão humana à narrativa - presente em torno de cada situação, nas idiossincrasias exibidas por cada personagem, em toda revelação de modo quase sempre sutil e inesperado.

Mas eles estão, novamente, distantes do desejado final feliz. Lidando com tantos obstáculos e tamanha violência, que qualquer êxito só poderá ser conquistado parcialmente. Esta violência, que não abandona o terreno sob nenhuma hipótese, é inevitável para que haja tal possibilidade. Nesta guerra na qual disputa-se tanto através da simples manipulação de dados computadorizados, ainda almeja-se as mesmas coisas: dinheiro e poder - só atualizam-se os modos de consegui-los. E por trás de todas as cortinas, estão velhos conflitos políticos, que em últimas instâncias acabam sendo resolvidos pelos métodos primitivos. Seria difícil Hacker escapar deste regime, e opta por não suaviza-lo. Por mais fortes que sejam as cenas de violência, elas se fazem necessárias levando em conta este contexto onde toda fisicalidade implora por sua representação - há um empenho para simular de forma realista o sistema interno de um computador, nada mais justo que o mesmo tratamento seja dado à uma cena de violência.

É esperado que Hacker aproxime-se destas qualidades, dado o valor sensorial que Mann geralmente ambiciona para seus filmes. Não basta apenas um enredo a ser seguido, necessita-se de atmosfera, proximidade, sentimento, aquele algo a mais que não demora a ser percebido quando se trata do diretor. Uma certa tendência a experimentação, a abstração, uma autonomia no seu vínculo com o filme de gênero, como se estivesse sempre no controle do compasso, que deve se ajustar conforme seu olhar. Uma busca para fazer de uma cena o que ela pode, e deve ser; da tensão crescente entre duas pessoas com uma atração que não quer mais esperar e se rende, do confronto violento e passional que inevitavelmente terminará de forma brutal.

9/10

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