quinta-feira, 19 de julho de 2012

Fogo Contra Fogo (1995) - Michael Mann


 

Com Fogo Contra Fogo (Heat, 1995), Michael Mann deve ter realizado seu sonho. O feito gerou um filme de 2h e 40min, com dois dos atores mais aclamados de suas respectivas gerações atuando como protagonistas, realizado sob um orçamento folgado de 60 milhões de doláres (valor que foi triplicado posteriormente nas bilheterias), e versando sobre seu tema favorito: o homem no contexto social, suas escolhas e sua natureza. Mesmo no caso, de oficio mais comercial que o usual, Fogo Contra Fogo não foge à plenitude que é o cinemão de Michael Mann.

Personagens malditos que herdaram também o aspecto apaixonado dos homens da filmografia de Mann. A mulher, que sempre desempenhou papél importantissimo na carreira do cineasta segue com a mesma intensidade, a instituição familiar, de filhos problemáticos, mulheres insatisfeitas que dividem seus agregados com seus trabalhos perigosos, em proporções desiquilibradas e fontes de abalo, esses sujeitos com suas catastrofes fatidicas. Do policial Vincent Hanna (Al Pacino, bem no papel apesar de seus maneirismos habituais) que só serve pra caçar bandido e do ladrão Neil McCauley (Robert De Niro, espetacular) cuja função restinge-se à assaltos perigosos e bem calculados.

Ainda dialogando com elementos seminais do diretor, Fogo Contra Fogo é um outro tratado sobre os homens complexados da filmografia de Michael Mann. Um diretor que parece compreender como ninguém a singularidade das peripécias que compõem a natureza complexa dos homens, individualmente; aí então, o que ele procura não é conceituar, definir ou cercar, de forma como alguém busca uma formula perfeita, ou que procura pragmatizar o valor da consciencia, das motivações, dos sentimentos e etc. O que ele faz é nos induzir sutilmente para dentro de seus personagens, de suas figuras isoladas e obsoletas. Para isso, pouco importa esbarrar brevemente pelos limites da verossimilhança, que na verdade tem muito mais peso existencial do que investigativo.

No epicentro desse espiral, Mann encontra espaço para contar um filme policial sintético de gato-e-rato, de policia e bandido em reta de colisão no sentido mais metafisíco dos termos. Não só por estarem fadados ao conflito devido as suas ocupações de antíteses judiciarias e sociais, e pelos papéis completamente contrários que desempenham no mundo, mas justamente pelo o que os une. A brecha que ata duas forças tão adversas é a factual semelhança do "estar no mundo" que atuam. Do reconhecimento reciproco de policial e bandido que entendem a natureza intransigente (enquanto homens) que residem dentro deles que não os permitem a respiração fora de seus habitats, que impede a refração de uma ordem já estabelecida.

Nessa empreitada de sacrificios e de essencias que não se desgrudam - que parecem parte do código genético -, mesmo com a mudança dos tempos, a figuração técnica e o conteúdo de Mann seguiram parecidas com suas grandes obras oitentistas, de roupagens distintas, progressivas e até aberrantes. Da trilha marcada por fortes batidas eletrônicas, sintetizadores psicodélicos e muito blues - vide Profissão Ladrão (Thief, 1981) e Caçador de Assassinos (Manhunt, 1986) -, que também ganham vida quase que predominantemente na noite das locações urbanas, das luzes estouradas dos edificios e postes, na iluminação soturna e bela de painel azulado que sempre ganha sua vez - tais muitas caracteristicas advindas principalmente do clássico de Scorsese, Taxi Driver (idem, 1976) - nos niveis exaltados do mesmo realismo e romantismo, da composição que igualmente flertava diretamente ao psicológico de tragédia e estranhamento de um homem diante da marginalização do ambiente em que vive, da sociedade que molda seus habitantes e etc; de todo visual supracitado que atravessou influenciando diversos cineastas como Abel Ferrara, David Lynch e outros, de todo esse viés de obliquidade quase delirante no tratamento de personagens, sem rumo definido que caminham em estradas perigosas de atalhos ciclicos e nillistas.

Nosso privilégio é apenas acompanhar e refletir sobre esse cinemão imponderável, de um autor cheio de manias (até tem espaço para suas usuais cenas na praia, tique sintomatico do diretor que toma vez pelo menos uma vez em seus filmes), também sua direção genial que praticamente nos empurra para dentro de seus tiroteios frenéticos, de fabulas tão queridas, profundas e interativas, de policial que segura a mão do bandido derrotado pelas circunstancias, de tanta poesia que só nos cabe à compreensão, no caso, prazerosamente vendo e revendo.

8,5/10































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