terça-feira, 3 de abril de 2012

Musica e Fantasia (1976) - Bruno Bozzetto




Contém Spoilers


"É Hollywood, e estão furiosos, dizem que um tal de Prisney ou Grisney já fez isso antes"

Como a maioria das sátiras no Cinema - e em tudo -, o humor chega até ao escatalógico, aqui é empregado  de leve, mas será comentado. O alvo é Fantasia (idem, 1940), animação de Walt Disney cuja narrativa consistia no emprego de musica classica ao passo que exibia segmentos de curtas animados - assim a obra não seguia o preceito tradicional de seguir uma só linha narrativa. Musica e Fantasia é um arremedo cômico da obra de Walt Disney, mas que felizmente não chega a tão desrespeitar ou desrespeitar a obra em questão.

A parodia em análise possui 8 seguimentos - incluindo um breve prefácio não-animado e um epilogo. Assim como Fantasia, a montagem revesa turnos entre os curtas animados e cenas da orquestra - em Musica e Fantasia, fotografada em preto e branco; em Fantasia as cenas da orquestra são limitadas a tal ato - filmadas sob ilumação escura, no qual apenas pode-se ver quase que apenas vultos dos musicos e seus instrumentos, tocando a trilha sonora -, já em Musica e Fantasia, tal recurso é o alivio cômico do filme, não só apresentando a "orquestra" (que será comentada), mas como um todo, a produção em si da obra - com pequenos jogos metalinguisticos -, produção essa com três personagens principais: o narrador, o condutor da orquestra e o homem que vem a converter a musica da orquestra em desenhos que viriam a ser o filme. E à partir disso, situações humoristicas e satiricas dão o tom de paródia ao filme: a orquestra é um grupo de velhinhas, o interpretador artistico da musica que desenha é um bigodudo que passa o filme em trapalhadas e conflitos com o maestro gordo e inquieto, o produtor do filme passa por diversos contra-tempos e etc. É claro, todos os tais personagens são ficcionais - e todos esses supracitados acontecimentos se passam em uma ópera.

É curioso observar que em Fantasia, um dos ofícios do filme seria promover a volta do personagem Mickey Mouse - que estava em declinio na época; e neste aqui, não estamos familiarizados com personagem algum, tudo o que temos por aqui são criaturas bizarras e outras desconhecidas.

Tecnicamente, Musica e Fantasia é muito inferior ao filme de Walt Disney, enquanto o segundo é caprichado, cheio de detalhes e ainda mais fantasioso, Musica e Fantasia é mais relaxado - com contornos desleixados e cenarios vetoriais bem menos realistas (às vezes optando por fundos simplesmente preto ou branco), alguns parecendo até feitos de giz de cera; mas é muito possivel (alias, eu acredito) que tudo seja deliberado, apenas complementando sua atitude determinista de parodia de botequim.

Bruno Bozzetto - o omnipresente do filme - e seu roteiro - ele assina o mesmo (junto com Guido Manuli), também dirige e produz - não fogem ao preceito que Fantasia impõe, bem simples, cada segmento envolve um arco dramático, que assim como seu alvo de chacota, trabalha com elementos surrealistas. Os curtas são pequenos contos cheios de simbolismos e metaforas - algumas bem implicitas para os melhores entendedores - e também outros curtas apenas narram pequenas estórias - não necessáriamente envolvendo significados obliquos.

Como Fantasia, este aqui não pode ser - e não é - classificado como livre ao ser exibido, ambos os filmes denotam de temáticas impróprias e que requerem de mais maturidade para serem entendidas; como animações, esses filmes extrapolaram os padrões contemporâneos para o genêro infantil, principalmente se equiparados com as produções de mesma epoca. Em Fantasia, nudismo, morte e violencia são referenciados - mesmo que seja feito vetorialmente, continua impróprio -, e em Musica e Fantasia tudo é empregado de forma ainda mais forte - embora não tenha causado o mesmo impacto, considerando a época de lançamento de ambos os filmes.

O melhor curta como exemplo de Musica e Fantasia em relação ao assunto tratado acima seria o segmento no qual uma serpente oferece a fruta do conhecimento a Adão e Eva - fruta essa em forma de maçã -, que recusam, após isso, a serperte come a maçã ele mesmo sendo posteriormente exposto e transportado à um mundo de pecado, acerca de muita pornografia e propaganda. Quando retorna, a serpente cospe a maçã.

Consequentemente, a diferença entre os dois é patente, e são apenas logicas dada suas propostas; enquanto Fantasia é magico (cheio de poder sensorial) e contém o ritmo mais cadenciado, Musica e Fantasia é mais ágil e cômico. É de se admirar que Bozzetto não chegou a desrespeitar Fantasia - trata-se de uma tiração de barato, que de alguma forma interxtualiza a obra cinematografica para criar outra igualmente boa, com muita força criativa idem. Porque assim como Fantasia cria segmentos cheios de mitologias e significados, Musica e Fantasia também o faz e a chacota fica por conta do nucleo que envolve a produção; que na verdade, cá entre nós, cassoa bem mais a si mesmo do que a Fantasia.

Allegro ma non troppo é o nome de um andamento assim nomeado para indicar o passo ritmico a ser tocado aos músicos. Aqui em Musica e Fantasia (Allegro Non Troppo, o nome original em italiano), significa nesse contexto: "pense antes de agir", "vá devagar", sem a interjeição ma. Só para ressaltar novamente as traduções vergonhosas de titulos para filme no Brasil.

Um ponto em que ambas se assemelham - são igualmente poderosas -, são em suas trilhas sonoras, ambas riquissimas. Embora em Fantasia, os compositores serem mais conhecidos - Beethoven, Bach -, em Musica e Fantasia, o quesito não deve em nada, afinal, temos Vivaldi e Maurice Ravel. A formula é genial e bem reinventada por Musica e Fantasia, que iguala o nivel agradabilissimo que acompanha a projeção de Fantasia.

E deve-se observar que Musica e Fantasia é um dos pioneiros na tecnica do ato de retratar a interação do live action com seres animados, pra quem gosta, além deste um bom exemplo seria Uma Cilada Para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, 1988). Como no epilogo, Musica e Fantasia não deixa de zoar nem ao menos os finais felizes da Disney, representado pela queda grotesca do letreiro de "Happy End" sobre um personagem. Quase uma obra-prima.

Nota 7,0


























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